Gravidez e risco de dissecção arterial coronariana espontânea: como agir?

Gentileza do Dr. Pablo Baglioni.

Gravidez e risco de dissecção arterial coronariana espontâneaEntre os anos 2000 e 2015, os autores deste artigo realizaram uma busca de casos relatados de dissecção coronariana espontânea (DCE) em pacientes grávidas ou no pós-parto imediato com o objetivo de definir as características clínicas dessa patologia e oferecer recomendações em relação à conduta terapêutica.

 

Foi analisada a informação de 120 mulheres, das quais 116 tinham uma idade entre 22 e 52 anos, com uma média de 34 +- 4 anos. Com relação aos fatores de risco, 14% delas tinham histórico familiar, 12,5% eram fumantes ou ex-fumantes, 10 dislipidêmicas, 5% hipertensas e 4% diabéticas.

 

Dos casos nos quais a variável foi comunicada (números entre parênteses), a pré-eclâmpsia ou eclampsia (n = 65) foi relatada em 8 casos (12%), alterações de hipercoagulabilidade (n = 42) em outras 4 pacientes, uso de drogas ilícitas (n = 49) em apenas 1 paciente, uso de terapia hormonal antes da gravidez (n = 38) foi relatado em 7 mulheres, 4 usaram anticonceptivos orais e as outras 3 foram tratadas com hormônios por infertilidade.

 

O momento de apresentação foi comunicado em 119 pacientes; em 21 delas (17,5%) a DCE se apresentou durante o terceiro trimestre da gravidez, em outras 7 (6%), no segundo trimestre, e em nenhuma delas no primeiro trimestre. 72,5% dos casos se apresentou no período pós-parto entre os dias 3 e 210.

 

Cento e quinze pacientes tiveram infarto agudo do miocárdio, 87 delas com supradesnivelamento do segmento ST (75,5%). Em 47 (62%) pacientes foi relatado infarto de parede anterior, em outras 14 (18%), anterolateral, e em 15 (20%) de parede inferior.

 

58 pacientes com IAMCST e outras 10 com IAMSST foram submetidas a uma coronariografia de urgência e o resto durante a internação. A dissecção espontânea foi corroborada em um total de 191 artérias coronarianas, das quais 60% eram de somente uma, 22,5% de duas artérias e em 3 ou mais, 17,5%.

 

O tronco da coronária esquerda se encontrou dissecado em 43 casos (36%), a DA em 86 pacientes (72%), a CX em outros 28 casos, e a CD em 18. É importante destacar que durante a angiografia se encontrou uma oclusão completa em 31 pacientes (26% dos casos), das quais 5 apresentavam IAMSST.

 

A angioplastia coronariana se realizou em 44 pacientes. O sucesso terapêutico foi registrado em 22 pacientes (50%), inclusive em 3 que tinham apresentado propagação da dissecção coronariana. Colocou-se stent em 37 pacientes, das quais, em 14 casos, utilizou-se BMS e em 11 DES. No resto dos casos não se relatou o tipo de stent utilizado.

 

44 mulheres foram levadas a cirurgia de revascularização miocárdica, 6 delas por fracasso da angioplastia e 18 por apresentar anatomia coronariana complexa, sendo que houve 9 casos nos quais os 3 vasos apresentaram comprometimento. Outros 11 casos foram conduzidos a princípio de maneira conservadora e depois encaminhados a cirurgia pelo fato de as pacientes continuarem com os sintomas de isquemia, evoluírem a IAMCST, choque cardiogênico ou propagação da dissecção.

 

54 pacientes foram tratadas de forma conservadora. No entanto, 18 delas sofreram intervenção durante a internação, 11 por cirurgia e outras 7 foram a angioplastia coronariana.

 

Das 36 pacientes que ficaram sob tratamento conservador, 25 apresentaram IAMCST, 29 tinham dissecção de uma só artéria, em 6 casos estava dissecado o tronco da coronária esquerda e a DA em 21.

 

Em 10 casos se utilizou trombolíticos, dos quais 8 mulheres foram submetidas a angioplastia ou cirurgia.

 

A mortalidade materna ocorreu em 5 pacientes. Em 4 delas no pós-parto e uma paciente faleceu antes do parto.

 

Foram relatados 3 casos de mortalidade fetal, todos em mulheres que tinham dissecção do tronco da coronária esquerda, duas das quais tinham sido levadas a cirurgia. Um caso ocorreu em uma paciente que tinha sobrevivido a um IAMCST.

 

O seguimento foi feito em 96 pacientes durante 305 +- 111 dias. 39 pacientes foram submetidas a uma nova coronariografia após 84 +- 57 dias. O procedimento foi feito de maneira programada em 23 mulheres e 5 delas continuavam com dissecção coronariana espontânea. Em 3 dos casos uma nova artéria estava envolvida.

 

A indicação de repetir a coronariografia nas outras 16 pacientes foi a presença de sintomas isquêmicos com mudança no ECG em 9 delas (em todas se encontrou dissecção, em 3 delas do mesmo vaso, e em um novo vaso nas outras 6). Por dor de peito isolada em 6 casos (5 mostraram dissecção espontânea). Em um caso não havia relato do motivo pelo qual repetiram a coronariografia e constatou-se a persistência da dissecção coronariana espontânea.

 

Durante o período de seguimento realizou-se angioplastia coronariana em 14 pacientes, das quais 9 tinham angioplastia prévia e 5 foram tratadas de maneira conservadora.

 

Com relação à cirurgia durante o seguimento, realizou-se em 4 pacientes, em uma, 18 horas após a primeira cirurgia porque falhou a ponte, e nas outras 3 porque apresentaram extensão da dissecção rumo ao tronco.

 

Das 36 pacientes que foram tratadas medicamente, 17 receberam nova coronariografia na internação inicial, em 8 das quais se encontrou dissecção coronariana espontânea. Treze delas foram a coronariografia de maneira programada, em 2 delas se encontrou persistência da dissecção na mesma artéria em outras 2 em uma nova artéria.

 

Comentário editorial

A utilização da angioplastia como método de revascularização para pacientes com dissecção coronariana espontânea peri-parto é tema de discussão. O procedimento pode fracassar em mais de 50% dos casos e, por outro lado, uma estratégia conservadora teve, em algumas séries, mais de 90% com boa avaliação intra-hospitalar.

 

Este estudo tem a limitação de ser retrospectivo e baseado somente em relatos de casos e em uma única série. Em muitos casos os dados são incompletos. Além disso, não há comparação direta entre as características demográficas, características angiográficas, etc. No entanto, contribui com informação interessante que deve ser levada em conta quando se está diante dessa patologia.

 

Deve-se destacar a importância de pensar na dissecção coronariana espontânea como causa de infarto em mulheres jovens, saudáveis, que se encontram cursando majoritariamente o terceiro trimestre da gravidez ou o pós-parto imediato, e considerar que dita dissecção coronariana se associa mais frequentemente a infartos da parede anterior e com fração de ejeção marcadamente mais reduzida que a de mulheres não grávidas. A angioplastia será bem-sucedida em apenas a metade dos procedimentos e na evolução a longo prazo das pacientes tratadas de maneira conservadora será observada uma porcentagem não menor de persistência das dissecções e de aparição de novas dissecções.

 

O comprometimento do tronco da coronária esquerda deve ser considerado na hora de realizar o estudo diagnóstico pela possibilidade de exagerar a dissecção com a injeção do contraste.

 

A dissecção coronariana espontânea associada à gravidez corresponde a somente 5% de todas as dissecções coronarianas mas costuma ser mais agressiva e extensa e com maior comprometimento da função ventricular que na dissecção não associada à gravidez.

 

O mecanismo dessa dissecção não está de todo dilucidado, mas acredita-se que corresponde à associação entre o estresse hemodinâmico e hormonal relacionado à gravidez e à degeneração coronariana vascular. A maioria das mulheres com dissecção espontânea eram multíparas, o que leva a crer que há uma associação com a repetida exposição ao estresse hormonal e hemodinâmico.

 

Gentileza do Dr. Pablo Baglioni. Serviço de Hemodinâmica, Hospital San Juan de Dios.

 

Título: Pregnancy and the Risk of Spontaneous Coronary Artery Dissection. An analysis if 120 Contemporary Cases.

Referência: Ofer Havakuk, Sorel Goland, Anil Mehra, Uri Eikayam, Circ Cardiovasc Interv 2017 Mar, 10(3).


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