Validação do Critério BARC (Bleeding Academic Research Consortium Definition of Bleeding) em pacientes tratados com angioplastia.

Referência: Circulation. 2012; 125:1424–143

Resumo: Por muitos anos, todos os esforços aplicados ao aprimoramento das intervenções coronarianas percutâneas (ICP) foram direcionados especialmente à redução do risco de eventos isquêmicos, por meio do advento de: 1) novos dispositivos (stents medicamentosos), reduzindo taxas de reestenose, necessidade de nova revascularização e 2) desenvolvimento de novas drogas, com uma potente ação antiplaquetária o anticoagulante (clopidogrel, mais recente, prasugrel, ticagrelor, inibidores 2b3a, inibidores diretos de trombina –bivalirudina, entre outras). Não obstante, foi identificado que na equação da mortalidade pós-ICP não apenas os riscos isquêmicos desempenham um papel importante. Certamente, as complicações hemorrágicas ou risco de sangramento, foram reconhecidos como variáveis preponderantes que influenciam diretamente sobre a mortalidade de pacientes que foram submetidos à ICP. No entanto, a classificação e definição de sangramento foi muito heterogênea (TIMI, GUSTO, CURE, ACUITY, CURRENT OASIS, STEEPLE, GRACE, REPLACE 2),1 o que repercute negativamente na quantificação certa de sua incidência, gravidade e consequências (mortalidade). Nesse sentido, recentemente foi formado o Consórcio de Pesquisa Acadêmica de Sangramento -Bleeding Academic Research Consortium- (BARC)1 fundamentado na ideia de realizar uma definição padrão de sangramento e risco de sangramento que sejam utilizados em estudos clínicos cardiovasculares.

Nesse artigo, propõe-se identificar qual é a repercussão em longo prazo da definição unificada de sangramento do BARC em pacientes submetidos à ICP? Os autores avaliaram a relação entre os eventos hemorrágicos, segundo a definição do BARC, e a mortalidade tardia (de 1 ano) efetuando uma análise retrospectiva de seis estudos randomizados, incluindo 12.459 pacientes com síndrome coronariana aguda tratados com ICP. Também foi avaliado se a definição e os critérios de sangramento BARC são superiores ou comparáveis aos de Thrombolysis in Myocardial Infarction (TIMI) e Randomized Evaluation in PCI Linking Angiomax to Reduced Clinical Events (REPLACE-2), em relação à previsão da mortalidade nos pacientes depois de procedimentos de ICP.

Resultados: Foi observado sangramento em um total de 1.233 pacientes (9,9%) segundo a classificação BARC (Tipo 0 = sem evidência de sangramento; Tipo 1 = sangramento mínimo; Tipo 2 = sangramento clinicamente evidente que não seja 3, 4 ou 5; Tipo 3 = com queda do hematócrito ≥ 3g% e/ou comprometimento hemodinâmico e/ou com exigência de transfusão e/ou sangramento intracraniano ou intraocular; Tipo 4 = associado a Cirurgia de Revascularização Miocárdica, e Tipo 5 = Sangramento fatal)) enquanto o sangramento BARC ≥ 2 foi observado em 679 pacientes (5,4%). A taxa de sangramento TIMI maior ou menor foi observada em 374 pacientes (3,0%), e a taxa de sangramento REPLACE-2 maior em 3,9% (491) dos pacientes. Ocorreram 340 mortes (2,7%) durante o primeiro ano após a ICP. A categoria de sangramento BARC≥ 2 foi associada com um aumento significativo na mortalidade após um ano (proporção de risco ajustada, 2,72; 95% intervalo de confiança, 2.03-3.63). Todas as três definições de sangramento, mostraram um aumento similar no valor preditivo para mortalidade após um ano (modelo com variáveis múltiplas). Conclusões: Os autores concluíram que havia uma relação estreita entre os eventos de sangramento definidos em função dos critérios e definição BARC e a mortalidade um ano depois da ICP.

Limitações do estudo: A limitação mais importante do presente estudo foi a atribuição retrospectiva dos critérios de sangramento segundo a definição BARC. A definição de sangramento BARC foi comparada somente com a definição de hemorragia TIMI (maior e menor) e com os critérios REPLACE-2. Foi empregado unicamente o clopidogrel como agente antiplaquetário. Não se relatou o uso de acesso vascular radial.

Aplicabilidade no atual contexto: Este estudo demostrou a validação de uma nova definição de sangramento, unificando critérios clínicos (exigência de hospitalização e/ou intervenção cirúrgica) e de laboratório (redução de hemoglobina entre 3 a 5 g/dl o mais) que permitiram uma visão e estratificação mais compreensível” das complicações hemorrágicas e de sua repercussão na mortalidade imediata e tardia em pacientes que passaram por ICP. Do mesmo modo, permite a sua incorporação como uma ferramenta ou uma medida que permita normalizar as definições de sangramento entre os estudos clínicos. Foi demonstrado nesse estudo, que o uso dos critérios de sangramento produzidos pelo Bleeding Academic Research Consortium- (BARC) e sua hierarquização de gravidade(BARC ≥2) estavam associados com maior incidência de mortalidade após 30 dias do procedimento e isto se estendeu e aumentou após um ano da ICP, resultados comparáveis com as outras duas definições de sangramento analisadas (TIMI maior ou menor e REPLACE-2 maior). A definição de sangramento por BARC mostrou maior sensibilidade com especificidade similar quando foi comparada com TIMI e REPLACE-2 na previsão de mortalidade após um ano. Além disso, em geral, as três definições de sangramento (BARC, TIMI e REPLACE -2) foram comparáveis e forneceram informações semelhantes de prognóstico sobre mortalidade após um ano em pacientes com doença arterial coronariana submetidos a ICP.

Na literatura, foram claramente identificadas as variáveis associadas com maior incidência de eventos isquêmicos em pacientes submetidos a ICP (síndrome coronariana aguda, diabetes, stents múltiplos, hiporrespondedores ao clopidogrel, entre outros) e, portanto, o surgimento de novos medicamentos antiagregação mais poderosos (prasugrel, ticagrelor) que demonstraram, comparados com o clopidogrel, uma menor taxa de eventos cardiovasculares2 e redução de mortalidade,3 mas com um custo potencial: risco aumentado de hemorragia. Visto que o risco de sangramento aumenta a incidência de mortalidade pós-ICP, como podemos minimizar o risco de sangramento sem sacrificar a eficácia no combate à isquemia dos novos medicamentos antiplaquetários? Talvez, algumas medidas pudessem contribuir para este objetivo: 1) Aumento do uso de dispositivos de fechamento vascular (<10% no estudo), 2) Utilização de acesso radial, especialmente em casos de síndrome coronariana aguda (não foi relatada no estudo), 3) Uso racional de inibidores 2b3a, isto é, no qual foi demostrado benefício (quatro dos seis estudos incluídos na análise utilizaram abciximab) 4) No caso de ICP e stents medicamentosos, levar em conta o tempo da antiagregação plaquetária dupla (seis meses em contraste com 12 meses), no estudo mais da metade usou stents medicamentosos (58%) e todos tiveram regime de antiagregação plaquetária dupla por apenas seis meses (as diretrizes ACC/AHA/SCAI recomendam até 12 meses).

Finalmente, temos a obrigação de realizar em todos os pacientes que serão submetidos a ICP, uma análise abrangente, individualmente, entre o risco isquêmico (quadro clínico, fatores de risco, tipo de stents, normo ou hiporrespondedores, tempo de antiagregação plaquetária dupla), e o risco de sangramento (tipo de medicamento antiplaquetário, anticoagulantes, acesso vascular, idade, peso).

Referências bibliográficas.

Merhan R, Rao S, Bhatt D, et al. Standardized Bleeding Definitions for Cardiovascular Clinical Trials. A Consensus Report From the Bleeding Academic Research Consortium. Circulation. 2011; 123:2736-2747.

Hochholzer W, Wiviott SD, Antman EM, et al. Predictors of bleeding and time dependence of association of bleeding with mortality: insights from the Trial to Assess Improvement in Therapeutic Outcomes by Optimizing Platelet Inhibition With Prasugrel–Thrombolysis in Myocardial Infarction 38 (TRITON-TIMI 38). Circulation. 2011;123:2681–2689.

James S, Akerblom A, Cannon CP, et al. Comparison of ticagrelor, the first reversible oral P2Y(12) receptor antagonist, with clopidogrel in patients with acute coronary syndromes: rationale, design, and baseline characteristics of the Platelet Inhibition and Patient Outcomes (PLATO) trial. Am Heart J. 2009; 157:599–605.

JUAN SIMÓN MUÑOZ, MD, FACC.
Cardiólogo Intervencionista.
Editor Asociado Portal SOLACI.  
Caracas, Venezuela 

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