A maior preponderância mundial da mulher é uma realidade incontestável que vem gerando mudanças em diferentes esferas da vida cotidiana. No mundo da cardiologia intervencionista, a proporção das mulheres em relação aos homens, historicamente foi muito baixa. No entanto, este processo lentamente está começando a mudar, devido ao fato de cada vez mais mulheres demonstrarem interesse pela especialidade.
Nós, da SOLACI, acreditamos que é muito importante fomentar a participação da mulher no campo da hemodinâmica e promover os valores da igualdade e do respeito no exercício da profissão. Por isso, em 2017 fundamos o Grupo de Mulheres Intervencionistas Latino-americanas (Grupo MIL), graças ao incansável esforço da Dra. Carla Agatiello (membro da SOLACI e atual Diretora do Grupo MIL), e à importante colaboração de diretores e ex-diretores das Jornadas SOLACI.
Nesta ocasião, a solaci.org conversou com ela para conhecer melhor os objetivos e valores do Grupo e, além disso, para que ela nos conte quais são as principais dificuldades e barreiras com as quais as mulheres se deparam no exercício da profissão.
– Este ano foram realizadas diversas atividades com perspectiva de gênero no Congresso SOLACI-SBHCI 2019. Que balanços você faz de ditas atividades e a que conclusões chega?
As conclusões têm um pouco a ver com a situação que já conhecemos. Há até um ano e meio não tínhamos demasiados dados duros, mas hoje já temos enquetes, dados proporcionados pela SBHCI, etc. que confirmam nossas suspeitas: as mulheres intervencionistas são uma minoria, somos menos de 5% em toda a América Latina. Isso é real e irrefutável. Contudo, também é importante destacar que praticamente nenhuma de nós, mulheres intervencionistas, se imagina fazendo outra coisa. Isso é importante, porque apesar de todos pesares, estamos convencidas de que é isso que queremos fazer.
Acredito que agora o próximo passo para fazer com que este número limitado de mulheres intervencionistas cresça é ajudar a gerar suporte para que mais cardiologistas escolham esta especialidade.
– Quais são os principais atrativos da especialidade?
A hemodinâmica é uma especialidade que, quando você gosta dela, você vai se divertir e passar muito bem. Implica muito trabalho, esforço e múltiplos desafios profissionais, mas também é uma profissão que permite a nós, profissionais que a exercemos, viajar e conhecer diversos países. É duro, mas ninguém morreu na tentativa. Essa é a mensagem que estamos tentando instaurar. Por isso, acredito que o próximo passo deve fazer uma grande ênfase no mentorship, promovendo o patrocínio de intervencionistas homens e mulheres a cardiologistas e a clínicas para que as mesmas optem pela hemodinâmica como especialidade.
– Quais são as problemáticas ou barreiras que enfrenta hoje a mulher dentro da cardiologia intervencionista?
O primeiro obstáculo diz respeito à oportunidade de escolher a especialidade. Há pouco tempo, o Grupo de Mulheres Intervencionistas Latino-americanas (Grupo MIL) realizou uma enquete na qual mais de 10% das mulheres entrevistadas disseram que foram rejeitas em sua primeira entrevista para um fellowship somente pelo fato de serem mulheres. Portanto, o primeiro passo é ajudá-las e promover mais mulheres na especialidade como fellow. Considero que nesse sentido também há um fator cultural muito importante. Trocando em miúdos, não é algo que vai ocorrer em um, dois, três ou cinco anos. É uma mudança paulatina que vai tardar muito tempo para se assentar.
– E que medidas ou propostas poderiam ajudar a acelerar esta mudança?
Como vai tardar muito tempo, acho que seria interessante a ideia de estabelecer cotas de mulheres na especialidade. Assim como em alguns estamentos políticos existem porcentagens obrigatórias de cargos que devem ser ocupados por mulheres, considero que poderia ser estabelecida uma porcentagem de fellows integrados por mulheres por país ou região. Em outras palavras, você pode preencher a cota por ter muitos participantes ou ficar deserto, mas uma porcentagem obrigatória deveria ser ocupada por mulheres. Considero que esse seria um bom primeiro passo.
O segundo passo é a promoção para que as mulheres já formadas tenham a oportunidade de ser promovidas de fellows a médico fixo, a palestrante, ou a faculty. Nisso também é necessário o apoio dos homens, que conformam 95% da população de hemodinamistas. É importante que os homens considerem as mulheres nesse aspecto.
– Com que objetivo foi criado o Grupo Mil e qual é a importância de trabalhar na união e no desenvolvimento das mulheres intervencionistas no contexto latino-americano?
Em pouco tempo vou cumprir 17 anos como intervencionista, e em todo esse tempo treinei somente uma mulher. Portanto, quando em 2017 propus fundar o Grupo Mulheres Intervencionistas Latino-americanas, eu fiz isso pensando em formar uma rede de mulheres em networking ajudando-se entre si. Porque somos poucas e já nos conhecemos, e aquelas que têm mais possibilidades e maior visibilidade podem ajudar as que têm menos oportunidades. Nesse sentido, nós, que fomos ponta de lança e já superamos uma infinidade de obstáculos, agora podemos ajudar as que vêm atrás estabelecendo uma rede de colaboração em toda a América Latina entre palestrantes, faculties, fellows, operadoras, etc. A ideia não é ficarmos estancadas na queixa ou no lamento de que somos poucas, mas sim promover mudanças a partir da ação.
– E o objetivo é manter esta rede no contexto latino-americano ou a ideia é ampliá-la constantemente?
Não, de fato estamos permanentemente em contato e trabalhando novas relações com a Europa por meio da European Society of Cardiology (com o apoio das Dras. Marie Claude Morice e Martine Gilard) e com os Estados Unidos através do grupo Women as One (encabeçado pela Dra. Roxana Mehran). Também mantemos fortes vínculos com o grupo WISH (Women Interventional in Structural Heart) e com sua Diretora, a Dra. Mayra Guerrero. O objetivo, claro está, é integrar a rede latino-americana de mulheres intervencionistas no contexto mundial.
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