Dispositivo ALT FLOW para “shunting” de átrio esquerdo em pacientes sintomáticos com insuficiência cardíaca.
No tratamento da insuficiência cardíaca (IC) tem-se conseguido melhorar consideravelmente a qualidade de vida e o prognóstico dos pacientes mediante um adequado tratamento médico e, em alguns casos, com o uso de dispositivos. No entanto, em certos casos, não é possível alcançar uma melhora clínica satisfatória.
Uma das características da patologia é o aumento progressivo das pressões de enchimento, motivo pelo qual foi colocado como objetivo o tratamento de dita sobrecarga e sua redução. Foram utilizados alguns dispositivos para diminuí-la, seja com a melhora do tratamento mediante o monitoramento, seja permitindo a “descompressão” com seu extravasamento a câmaras de menor pressão. Tais dispositivos estão baseados na criação de um shunt através do septo intra-atrial (SAI), com ou sem a presença de um dispositivo.
Entretanto, recentemente foi demonstrado que dita estratégia não oferece benefícios sintomáticos nem clínicos em pacientes com função ventricular conservada ou ligeiramente deteriorada (REDUCE LAP-HF II). Todos esses dispositivos utilizavam o SAI como localização do shunt.
Em um estudo de factibilidade realizado por Hibbert et al., chamado ALT FLOW, utilizou-se o dispositivo APTURE (Edwards) para realizar um shunt a partir do átrio esquerdo (AE) até o seio coronariano (SC) mediante uma atriotomia percutânea (dispositivo que permite o shunt com diâmetro interno de 7mm com 4 ramos). Esse dispositivo permite o fluxo fisiológico e minimiza os riscos de embolização rumo a circulação sistêmica.
O estudo foi aberto e de um único ramo, levada a cabo em 18 centros dos Estados Unidos e do Canadá. Foram incluídos pacientes com IC crônica em classe funcional II, que tinham sido hospitalizados por IC ou requeriam diuréticos intravenosos, e que já recebiam tratamento ótimo. Por outro lado, procedeu-se à realização de um cateterismo direito, necessitando-se pressão wedge (PW) > 15 em repouso ou > 25 durante o exercício, com um delta de PW a AD (> 5).
O desfecho primário de segurança foi a combinação de eventos cardiovasculares maiores, eventos cerebrovasculares ou renais e reinternação em 30 dias. Foram avaliados tanto o sucesso da colocação do dispositivo como o sucesso clínico.
Foi realizada a tentativa de colocar o dispositivo em 87 pacientes, conseguindo-se a colocação em 79 deles (91%). A idade média foi de 70,5 anos, 53% da população estava composta por homens e a fração de ejeção média foi de 59%. Observou-se uma alta prevalência de obesidade (média de índice de massa corporal de 33,6), hipertensão (92%) e diabetes (44%). Os pacientes eram altamente sintomáticos, com um escore de KCCQ de 38,3 e 90% em NYHA CF III.
Leia também: Análise do subestudo VASC-OBSERVANT II: Impacto das complicações vasculares pós-TAVI.
O desfecho primário pré-especificado ocorreu em 2,3% dos pacientes, dentre os quais 2 necessitaram cirurgia de emergência, um devido a uma perfuração do seio coronariano e outro por embolização. Observou-se um sucesso clínico e do procedimento em 88,5%, com um tempo de fluoroscopia de 28 minutos e o uso de 48 ml de contraste. Ao analisar as hospitalizações em 6 meses, evidenciou-se um índice de hospitalização por insuficiência cardíaca de 3,8% em comparação com 44,3% do ano prévio à intervenção. Observou-se uma melhora sintomática segundo KCCQ, com uma melhora ≥ 20 pontos em 57% dos casos e uma melhora do CF I a II de 8% basal e 56% ao mês, e de 12% a 67% em 6 meses (P inferior a 0,001).
No tocante aos parâmetros hemodinâmicos, mediante o cateterismo direito a 20W, observou-se uma redução na PW em 3 meses (diminuição média de 7 mmHg) e em 6 meses (diferença média de 7 mmHg).
Conclusões
A alternativa de shunting com o dispositivo APTURE para a descompressão do átrio esquerdo apresenta a vantagem teórica de preservar a anatomia do septo, sendo que a direção do fluxo rumo ao seio coronariano e depois rumo ao átrio direito reduz a possibilidade de embolização paradoxal. Observou-se uma redução sustentável e significativa da PW e dos sintomas em 3 e 6 meses, motivo pelo qual deveríamos considerar a possibilidade de realização de um estudo randomizado para avaliar os resultados.
Dr. Omar Tupayachi.
Membro do Conselho Editorial da SOLACI.org.
Título Original: Left Atrial to Coronary Sinus Shunting for Treatment of Symptomatic Heart Failure.
Referência: Hibbert, Benjamin et al. “Left Atrial to Coronary Sinus Shunting for Treatment of Symptomatic Heart Failure.” JACC. Cardiovascular interventions vol. 16,11 (2023): 1369-1380. doi:10.1016/j.jcin.2023.03.012.
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