Forame oval permeável: Quando deve ser indicado o seu fechamento?

Referências: Matthew Nayor et al. Contemporary Approach to Paradoxical Embolism. Circulation. 2014;129:1892-1897. Marco Hernandez-Enrıquez et al.  Current Indications for Percutaneous Closure of Patent Foramen Ovale.  Rev Esp Cardiol. 2014;67(8):603–607.

O debate acerca da conduta do forame oval permeável em diversas situações clínicas (e nunca melhor usado o termo) permanece aberto. Até pouco tempo atrás, perante a suspeita de embolia paradoxal a tendência era indicar seu fechamento, baseado em numerosos estudos observacionais e recomendações de especialistas. Porém, mais recentemente, três ensaios clínicos controlados e randomizados parecem ter derrubado essa recomendação.

Nos últimos dias, duas revisões muito boas, uma publicada em Circulation e outra na Revista Española de Cardiología realizaram uma análise crítica do tema.

 – Anatomia e fisiologia 

A mudança da circulação fetal à circulação pós parto é uma verdadeira maravilha da natureza. O shunt interauricular de direita a esquerda através do forame oval é parte essencial da circulação fetal e indispensável para a vida, posto que o sangue oxigenado que vem da placenta e ingressa pela veia cava inferior (VCI) à aurícula direita (AD) deve ser derivada ao coração esquerdo para sua expulsão em direção à aorta. A particular anatomia da AD, com a válvula de Eustáquio que direciona o fluxo da VCI em direção ao tabique interauricular, a alta resistência vascular pulmonar fetal, e a baixa pressão da aurícula esquerda (AI) facilitam tal curto-circuito, que transcorre através do forame oval, uma janela do septum secundum. No momento do parto, os pulmões oxigenam-se, o que reduz drasticamente a resistência vascular pulmonar, e ao mesmo tempo eleva-se a resistência vascular sistémica, ocasionando uma inversão das pressões interauriculares (maior pressão na AI que na AD), o que interrompe o shunt de direita a esquerda e força o flexível e delgado septum primum contra o mais musculoso e rígido septum secundum, fechando-se o forame oval. Esse fechamento inicial (fisiológico) consolida-se ao redor do segundo ano de vida pela fusão definitiva de tais tecidos (fechamento anatómico). Sem embargo, e por razões desconhecidas, um percentual importante de sujeitos não logram coatar o septum primum com o secundum, ou o fazem em forma incompleta, ficando desse modo um forame oval permeável (FOP). Em estudos observacionais e séries de autopsias, este percentual é de aproximadamente 25%.

 – Diagnóstico de FOP

O  achado de um FOP costuma ser incidental e sem consequências clínicas. O ecocardiograma transesofágico (ETE) é considerado o método mais preciso para identificar a presença de FOP e para definir sua anatomia; sua sensibilidade aumenta com o uso de contraste endovenoso de microbolhas com solução salina agitada. O ecocardiograma transtorácico (ETT), utilizando Doppler cor e contraste com bolhas em repouso e Valsalva, também é uma ferramenta útil. O Doppler transcraneano pode identificar a presença de microbolhas nas artérias cerebrais basais para diagnosticar FOP; sem embargo, geralmente isto deve ser complementado por ETT ou ETE para confirmar o achado e definir a anatomia do shunt. A ressonância cardíaca e a tomografia são a segunda opção, bastante mais longe à ecocardiograma para o diagnóstico de FOP.

As características anatómicas da AD e do tabique interauricular, usualmente estudado por ETE, fornecem informação importante: tamanho das cavidades, presença de aneurisma do septum interauricular (ASIA), tamanho do defeito, localização em relação com o borde aórtico, magnitude e direção do shunt, etc. Certos traços anatómicos têm sido relacionados com maior risco de embolia paradoxal: um defeito grande (>5 mm), uma válvula de Eustáquio proeminente, shunt de direita a esquerda tanto em repouso como com Valsalva, e a presença de ASIA acompanhante (definida como uma excursão > 10 mm do tabique em relação ao plano septal, e presente em cerca da um, terço dos casos de FOP).

 – Estudos observacionais e epidemiológicos

Em várias séries observacionais e estudos de casos-controle, o FOP tem sido associado à patogênese de doenças cerebrovasculares, principalmente ao AIT / AVC isquêmico e à enxaqueca. Embora sabe-se que a incidência de FOP é maior em pacientes com AVC idiopático comparado com sujeitos normais (até 4 vezes mais, segundo algumas séries), a causalidade entre ambas não tem sido claramente demonstrada; em um estudo recente com mais de 1000 pacientes seguidos durante 11 anos, a presença de FOP não influiu significativamente no risco de sofrer um primeiro AVC. Ainda assim, o achado de FOP em um sujeito com AVC de causa desconhecida costuma induzir a pensar em um mecanismo de embolia paradoxal. O aparecimento nos últimos anos de dispositivos de fechamento percutâneos, efetivos e com baixa taxa de complicações, tem sido valorada como uma alternativa terapêutica atrativa nestes casos. Mais ainda, logo da publicação de vários estudos retrospectivos e observacionais que sugeriam um importante beneficio; uma meta análise dos mesmos sugeria uma redução de 5 a 0,8 eventos para cada 100 pacientes/ano no grupo intervindo comparado ao controle.

 – Estudos randomizados e controlados

Recentemente tem se publicado três estudos randomizados e controlados abordando este tema: o CLOSURE I (N Engl J Med 2012;366:991–999), o PC trial (N Engl J Med 2013;368:1083–1091) e o RESPECT (N Engl J Med 2013;368:1092–1100).

 

CLOSURE I

PC

RESPECT

Ano

2012

2013

2013

N° de pacientes

909

414

980

Idade (anos)

18-60

<60

18-60

Dispositivo

STARFlex device

Amplatzer PFO Occluder

Amplatzer PFO Occluder

Comparador

Antiagregação, warfarina ou ambas

Antiagregação, warfarina ou ambas

Antiagregação, dupla antiagregação, warfarina ou ambas

Crit. inclusão

AIT / AVC recente

AIT / AVC recente, embolia periférica

AVC recente

Seguimento (anos)

2

3-5

2,6

Êxito do fechamento (%)

86

96

94

FA com dispositivo ou tratamento médico (TD / TM) (%)

TD 5,7

TM 0,7

p< 0,001

TD 2,9

TM 1

p= 0,17

TD 3

TM 1,5

p= 0,13

Trombose do dispositivo (%)

1,1

0

0,4

Resultados (ponto final primário, intenção de tratar) (%)

TD 5,5

TM 6,8

p= 0,37

TD 3,4

TM 5,2

p= 0,34

TD 1,8

TM 3,3

p= 0,08

Conclusão

Sem diferenças em AIT ou AVC

Sem diferenças em embolias ou morte

Sem diferenças por intenção de tratar. Em análise por protocolo e por tratamento recebido, redução de AVC em favor do Fechamento.

Tal vez pelo tipo de dispositivo de fechamento utilizado, aparentemente com um desenho sub ótimo, o CLOSURE I tem sido questionado pela alta taxa de complicações do grupo intervindo (FA e trombose), e uma relativamente baixa taxa de êxito do procedimento. O PC e o RESPECT usaram um dispositivo Amplatzer (St. Jude Medical), que mostrou melhores resultados, com menor incidência de FA, trombose e complicações vasculares. O PC foi o único estudo que incluiu pacientes com embolias periféricas, mas em um número muito baixo (11 casos). O RESPECT tinha critérios de inclusão mais estritos, já que só incluiu casos de AVC e excluiu os AIT; a população estudada presentou uma baixa taxa de eventos, menor à esperada, sendo necessário um total de 7 anos para poder reunir 25 eventos primários (AVC recorrente ou morte trás o procedimento). No foram achadas diferenças significativas na análise primária por intenção de tratar, mas sim na análise por protocolo ou por tratamento recebido a favor do fechamento. Dos subgrupos estudados, observou-se maior beneficio do procedimento de fechamento em aqueles sujeitos com shunts grandes (>20 bolhas) e com ASIA.

A pesar dos resultados negativos dos estudos individuais, várias meta análises foram publicadas, agrupando a estes ensaios randomizados, e na maioria o resultado parece favorecer o fechamento percutâneo; em particular, quando foram analisados só os resultados com o dispositivo Amplatzer.

Encontra-se em andamento um quarto estudo randomizado, denominado REDUCE, que comparará o fechamento com um novo dispositivo percutâneo (diferente do Amplatzer) versus tratamento médico.

 – Conclusões:

O entusiasmo inicial que gerou o aparecimento dos dispositivos de fechamento percutâneo tem se moderado muito desde a publicação destes três estudos, e atualmente não parece saber evidência suficiente para indicar o fechamento em qualquer paciente que tiver sofrido um AVC criptogênico com presença de FOP.

Então, em quais pacientes deve-se tentar o fechamento do forame?

Parece razoável o procedimento de fechamento em pacientes jovens (

Outras indicações menos frequentes seriam: mergulhadores profissionais com doença por descompressão e forame permeável (evidência não concludente), e a síndrome de platipneia-ortodeóxia, uma rara condição caracterizada por dispneia e hipoxemia em posição de pé que melhora com o decúbito; é produzida por diversas alterações anatómicas torácicas na presença de FOP (aneurisma ou alongamento de aorta, cirurgias torácicas, enfisema grave, etc) as quais produzem uma alteração no fluxo da veia cava ao ficar em pé, orientando o fluxo do sangue em direção ao FOP e gerando um shunt dir-esq. Com relação aos pacientes com enxaqueca e FOP, atualmente não há evidência para recomendar o fechamento.

Gentileza do Dr. Alejandro Lakowsky.
MTSAC.

Alejandro Lakowsky

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