Gentileza do Dr. Ariel Durán.
Compraz-nos observar o aumento no número de artigos científicos em revistas de alto impacto sobre temas vinculados à proteção radiológica ou aos efeitos nocivos da radiação sobre nossos pacientes e sobre os operadores principais ou secundários. Também saudamos o fato de a SOLACI amplificar esta crescente preocupação e ter selecionado artigos para que comentemos em sua página web nesta ocasião.
Os artigos selecionados diferem em sua aplicabilidade, novidade e importância, e gostaríamos de dar nossa opinião e, por último, contribuir com algo mais de informação saída há somente algumas semanas no Circulation.
Sobre o artigo de oclusões totais crônicas: “Radiation exposure of patients during chronic total occlusion percutaneous coronary intervention. Update from a contemporary multicenter registry” (Karacsonyi J. et al.), recentemente apresentado no encontro da American Heart Association 2017, sabe-se que a dose aumenta de forma diretamente proporcional ao tempo de duração do procedimento. Obviamente, a experiência do operador e a disponibilidade dos materiais necessários para o sucesso do procedimento fazem com que, nos centros dedicados, a dose para o paciente e para o operador sejam menores, cenário que acredito ser o mais alentador.
Leia também: “Exposição à radiação em oclusões totais crônicas”.
Em relação ao artigo: “Efficacy of the RADPAD Protection Drape in Reducing Operators’ Radiation Exposure in the Catheterization Laboratory. A Sham-Controlled Randomized Trial” (Wieneke Vlastra et al. Circ Cardiovasc Interv. 2017;10:e006058), embora tenha se tratado de um número interessante de pacientes, os resultados são algo curiosos, já que o campo protetor sem chumbo (cego para o operador) se associou a mais doses que quando não foi utilizado. Seria necessário contar com um maior número de pacientes para podermos estar mais seguros. Por outro lado, é necessário ter cuidado com a pressão da indústria para sua implementação, dado que se tratam de artigos caros.
Leia também: “A tela de proteção RADPAD reduz a dose de radiação recebido pelo operador na sala de cateterismo”.
Sobre o trabalho “Radiation Exposure Among Scrub Technologists and Nurse Circulators During Cardiac Catheterization. The Impact of Accessory Lead Shields” (Ryan D. Madder et al. J Am Coll Cardiol Intv 2017, Article in press), é interessante, mas se trata de um fato bastante comprovado. É necessário levar em conta também que não é possível colocar tantos dispositivos já que os mesmos poderiam tornar incômoda a circulação, que, em algumas ocasiões, deve ser muito rápida. Por outro lado, em vez de colocar outro biombo plúmbeo do lado da linha de extensão intravenosa do paciente, que em algumas ocasiões pode dificultar a realização de projeções oblíquas extremas, o melhor é não irradiar enquanto a enfermeira se encontrar junto ao paciente e que após a realização de sua tarefa a mesma se retire da sala.
Leia também: “Estudo confirma que as telas de proteção plumbíferas protegem todo o pessoal na sala de cateterismo”.
A publicação: “Low-Dose Exposure to Ionizing Radiation Deregulates the Brain-Specific miR-134 in Interventional Cardiologists” (Andrea Borghini et al. Circulation. 2017 Oct 16. [Epub ahead of print]), traz à discussão um tema verdadeiramente atual sobre a radioproteção. Trata-se do achado de moléculas de RNA não codificante (micro RNAs ou miR), que são cadeias curtas de aproximadamente 22 nucleotídeos que geralmente são muito estáveis e específicos, e que ao “se desregularem” podem se transformar em marcadores de doenças (neste caso radioinduzidas).
Leia também: “Os efeitos da radiação cerebral em Cardiologistas Intervencionistas”.
O miR-134 foi o primeiro identificado como específico do cérebro. O mesmo atua no desenvolvimento de novas sinapses e está diretamente implicado na aprendizagem e na memória. Por sua vez, está desregulado em vários tipos de demência (inclusive na doença de Alzheimer) e em tumores como oligodendrogliomas e glioblastomas. Com tal evidência, a alteração do miR-134 sugere que o dano cerebral é um dos principais riscos a longo prazo nos Cardiologistas Intervencionistas, com possíveis consequências como o deterioro cognitivo. Obviamente, são necessários mais estudos para confirmar estes fatos, mas surge um problema adicional que deixo aqui para a imaginação do leitor: o que fazer quando forem detectadas ditas mudanças em um intervencionista jovem ou adulto jovem? Ele deve abandonar a profissão? Deve se dedicar a outra especialidade?
Entretanto, em meu entender o tema mais impactante (e relacionado com o artigo anterior) foi o achado de alterações biológicas “agudas” em intervencionistas, neste caso de reparação endovascular de aorta abdominal (EVAR) que desapareciam às 24 horas, tal como surge da publicação: “Radiation Induced DNA Damage in Operators Performing Endovascular Aortic Repair” (El-Sayed T et al. Circulation. 2017 Oct 20. Epub ahead of print). Os autores deste hospital londrino que realizam um importante número anual de reparações endovasculares de aorta abdominal demonstraram pela primeira vez alterações “agudas” do DNA dos linfócitos dos operadores, alterações que desapareciam após 24 horas e não eram observadas nos cirurgiões que realizavam o mesmo procedimento a “céu aberto”.
Leia também: “Importante estudo detecta dano agudo em DNA de operadores por radiação após um procedimento endovascular”.
Por outro lado, comparavam ditas alterações de DNA entre operadores que além dos elementos de radioproteção convencionais utilizavam proteção para seus membros inferiores. Neste último caso as alterações de DNA eram significativamente menores. Além disso, colheram amostras de sangue dos operadores endovasculares e dos cirurgiões convencionais e as irradiaram “in vitro”. Observou-se, assim, uma ampla dispersão das alterações radioinduzidas, o que demonstra uma “radiossensibilidade” muito dispersa entre todos os atores que deve ser explorada na população em geral.
Os autores relatam 3 implicâncias clínicas de interesse (inclusive impactantes e que poderiam dar lugar a controvérsia): 1) A dosimetria pessoal, assim como é utilizada atualmente, falha para predizer as possíveis consequências biológicas que podemos sofrer; 2) Os limites de exposição profissional anual estabelecidos por organismos internacionais foram estabelecidos sem levar em consideração a variabilidade interpessoal; 3) Recomendam utilizar proteção de membros inferiores para os operadores principais.
Embora alguns desses achados e conclusões nos tragam certo grau de preocupação, em contrapartida, saudamos o fato de estes 2 últimos trabalhos serem dignos de um editorial do Dr. Charles Chambers em um número recente do jornal Circulation (2017;136:2417-9). O autor conclui que se o Prof. Roentgen observasse a situação atual quase 120 após ter recebido o prêmio Nobel por sua descoberta, estaria decepcionado, já que na maioria dos laboratórios não se faz seguimento dos pacientes que recebem altas doses nem de muitos dos operadores, que não têm um seguimento estrito das doses ao longo de suas carreiras.
O Dr. Chambers celebra o fato de que desde 2011 a radiação é indicação Classe I do ACC/AHA e recomenda substituir o tempo de fluoroscopia (provavelmente ineficaz) pelo de Kerma no ar no ponto de referência intervencionista e no produto dose/área em Gy cm2. Para finalizar, enfatiza (e nós estamos de acordo com tal sugestão) a necessidade de que cada país com suas autoridades sanitárias, suas sociedades de cardiologia e –por que não, a SOLACI– deem impulso à criação de registros que sejam alimentados com todas as doses de radiação que recebem os pacientes desde que nascem. Por sua vez, também sugere, no caso dos operadores, bases de dados que informem de forma consistente as doses recebidas assim como problemas ortopédicos e outros que costumam surgir vinculados a nossa profissão.
O objetivo é, portanto, incentivar os laboratórios de intervencionismo a constituírem um ambiente o mais seguro possível, fato que traria como consequência uma menor exposição desnecessária para os doentes e uma menor perda temporária ou definitiva da mão de obra.
Isso, sem dúvida, traria grandes benefícios para nossos pacientes e para nós mesmos, mas para alcançar ditos benefícios é necessário contar com o conhecimento e a compreensão das autoridades sanitárias, das empresas fabricantes e, logicamente, com o nosso.
Gentileza do Dr. Ariel Durán.
Cardiologista, Intensivista, Hemodinamista.
Professor Adjunto Cardiologia, Hospital de Clínicas, Faculdade de Medicina de Montevidéu.
Cardiologista Intervencionista, Instituto de Cardiologia Integral de Montevidéu.
Cardiologista Consultante Médica Uruguaia, Corporação de Assistência Médica, Montevidéu.
Coordenador Acadêmico de Cardiologia de Médica Uruguaia, Corporação de Assistência Médica, Montevidéu.
Fellow American College of Cardiology
Chefe do comitê de Radioproteção da SOLACI com um grande número de publicações no tema que lhe valeram o “Editors award of JVIR as the Outstanding Clinical Research Paper for 2013” com o estudo RELID.
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