Um dos primeiros enunciados deste documento esclarece que não se trata de uma “diretriz habitual” na qual o conteúdo é desenvolvido após um profundo estudo de toda a evidência publicado desde a última atualização. Ao contrário, pretende ser somente um compêndio básico e transitório sobre como manejar diferentes cenários de pacientes cardiológicos no contexto da pandemia por COVID-19.
A COVID-19 não só é capaz de gerar uma pneumonia viral mas também várias complicações maiores no sistema cardiovascular.
Os pacientes com fatores de risco clássicos (sexo masculino, idade avançada, diabetes, hipertensão e obesidade) bem como aqueles com doença cardiovascular ou cerebrovascular já diagnosticada são uma população especialmente vulnerável para o novo coronavírus.
Além da possibilidade de apresentar-se como trombose arterial ou venosa com a conseguinte síndrome coronariana aguda ou tromboembolismo venoso, a COVID-19 pode produzir miocardite e desempenhar um papel nocivo nos pacientes com insuficiência cardíaca.
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Um grande espectro de arritmias tem sido relatado no transcurso da infecção por COVID-19, incluindo muitas produzidas como efeitos adversos de medicações para tentar tratar a infecção ou suas complicações.
Devido à redistribuição dos recursos, o acesso a tratamentos de emergência (por exemplo, a angioplastia primária) pode ser afetado pela severidade da epidemia em âmbito local. A isso se soma a preocupação pela consulta tardia dos pacientes gerada pelo medo de se contagiarem durante a atenção.
Por todas as razões acima aventadas, a Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) publicou este documento com os aspectos mais relevantes sobre nossos pacientes com doença cardiovascular no contexto da epidemia.
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Este documento, com suas mais de 100 páginas, abrange toda a cardiologia, mas parece-nos importante fazer foco nos pacientes que necessitam tratamento de forma mais urgente com o objetivo de:
- Incrementar a capacidade do sistema de saúde para tratar os pacientes atingidos pela COVID-19.
- Reduzir a exposição desnecessária ao ambiente hospitalar (tanto para os pacientes quanto para seus familiares).
- Reduzir a exposição do pessoal de saúde a possíveis pacientes assintomáticos positivos para COVID-19.
Pacientes com coronavírus agudos SEM supradesnivelamento do segmento ST
Estes pacientes devem ser manejados de acordo com a estratificação de risco e é imperativo realizar o mais rapidamente possível um teste diagnóstico para COVID-19, para além da estratégia relacionada com a síndrome coronariana. Ter este dado em mãos vai permitir ao pessoal de saúde adequar as medidas de proteção.
Os pacientes podem ser categorizados em 4 grupos de risco: muito alto risco, alto risco, risco intermediário e baixo risco.
Os pacientes com elevação de troponinas, mas sem sinas clínicos agudos de instabilidade (mudanças no eletrocardiograma ou recorrência anginosa) podem ser manejados de maneira inicialmente conservadora. Uma angiotomografia pode melhorar muito os tempos de estratificação evitando a sala de cateterismo e permitindo uma alta precoce.
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Para os pacientes de alto risco, todas as medidas clínicas e farmacológicas devem ser tomadas para estabilizar o quadro com uma estratégia invasiva precoce (< 24 horas). Este prazo poderia ser estendido no caso de pacientes positivos para COVID-19 que deveriam ser transferidos a centros que estejam corretamente equipados.
Os pacientes de risco intermediário devem ser avaliados com precaução, levando em consideração diagnósticos alternativos como miocardite ou injúria miocárdica no contexto da infecção por COVID-19. Se houver disponibilidade, uma vez mais a angiotomografia pode ser de grande ajuda para agilizar o manejo.
Em tempos de uma alta demanda de infraestrutura, o manejo conservador com alta precoce deve ser considerado em concomitância com um plano de seguimento clínico, idealmente por telemedicina.
Pacientes com síndromes coronarianas agudas COM supradesnivelamento do segmento ST
A pandemia não deveria comprometer o acesso a uma reperfusão precoce em pacientes cursando um infarto. Os tempos das diretrizes específicas continuam vigentes com o acréscimo da necessidade de assegurar as medidas de proteção pessoal para os operadores.
Perante a impossibilidade de esperar um teste diagnóstico para COVID-19, todos os pacientes que entrarem na sala de cateterismo deverão ser manejados como positivos.
O tempo máximo entre o diagnóstico do infarto e a reperfusão deve ser de 120 minutos, com as seguintes considerações:
- A angioplastia primária continua sendo a estratégia de escolha, se estiver disponível e os operadores dispuserem de todos os meios de proteção.
- Segundo a experiência de vários países, a realização da angioplastia primária poderia ser retardada pela dificuldade para o traslado dos pacientes.
- Se o objetivo de tempo não puder ser cumprido é imperioso indicar imediatamente um trombolítico, salvo por contraindicação. Em lugares onde o sistema estiver saturado pela pandemia, esta última poderia ser a primeira linha de tratamento.
Todos os pacientes cursando um infarto com supradesnivelamento do segmento ST devem ser submetidos a um teste diagnóstico para COVID-19 o antes possível e sem importar a estratégia de reperfusão implementada ou o sucesso de dita estratégia. Caso haja outras lesões, é necessário considerar a revascularização imediata para evitar novas internações e encurtar a estadia hospitalar.
Todos os médicos envolvidos no manejo de pacientes cursando um infarto devem estar familiarizados com as indicações e contraindicações dos trombolíticos. Em muitas instituições nas quais a angioplastia primária era habitualmente o padrão, seus médicos podem não ter a experiência necessária no uso dos trombolíticos.
Pacientes com síndromes coronarianas crónicas
- Estes são, em geral, de baixo risco de eventos cardiovasculares e os estudos diagnósticos e terapêuticos podem ser diferidos na maioria dos casos.
- O tratamento médico deve ser otimizado e intensificado.
- O seguimento por telemedicina deveria garantir a detecção de mudanças no estado clínico que indiquem a necessidade de recalcular a estratégia.
Para os pacientes sintomáticos com suspeita de doença coronariana e uma probabilidade pré-teste de entre 5% e 15%, inicialmente recomenda-se a realização de um teste funcional com imagens ou uma tomografia como estratégia inicial. Em regiões em que o sistema de saúde esteja saturado pela pandemia ditos testes podem ser postergados na maioria dos casos e se for necessário, deve-se dar preferência à angiotomografia.
Isso também pode ser um problema pela saturação dos serviços de tomografia realizando estudos pulmonares em pacientes com COVID-19.
Em pacientes sintomáticos com muito alta probabilidade clínica de doença coronariana obstrutiva, a estratégia habitual é a invasiva direta. No entanto, mesmo esses pacientes podem ser manejados inicialmente de maneira conservadora no contexto da pandemia com uma vigilância clínica estreita.
A revascularização, seja ela feita por angioplastia, seja por cirurgia, pode ser postergada na maioria dos casos. De acordo com a situação epidemiológica local, os leitos de unidade coronariana devem estar disponíveis para manejar os pacientes com COVID-19.
As diretrizes também contam com recomendações para procedimentos eletrofisiológicos, pacientes com insuficiência cardíaca, arritmias, hipertensão, cardiopatia estrutural, etc. Recentemente publicamos em nosso site um resumo com indicações para o manejo das cardiopatias estruturais no contexto da pandemia que não apresenta conflitos significativos com este documento.
Como mencionamos no início do artigo, estas são somente indicações transitórias para nos orientarmos nesta situação excepcional e de nenhuma maneira substituem os critérios dos médicos a cargo nem as políticas de saúde de cada região em particular.
esc-guidance-for-the-diagnosis-and-management-of-cv-disease-during-the-covid-19-pandemicTítulo original: ESC Guidance for the Diagnosis and Management of CV Disease during the COVID-19 Pandemic.
Referência: escardio.org/Education/COVID-19-and-Cardiology/ESC-COVID-19-Guidance.
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