Para muitos pacientes a primeira manifestação da doença coronariana é um infarto agudo do miocárdio ou inclusive a morte súbita.
As modificações do estilo de vida e o tratamento médico são os pilares fundamentais para evitar esses sérios eventos, mas é impossível não nos fazermos a pergunta: poderia uma angioplastia preventiva evitar o problema?
O ultrassom intravascular (IVUS), a tomografia de coerência ótica (OCT), a espectrografia (NIRS) e a tomografia computadorizada (TAC) provaram sua capacidade de identificar as placas vulneráveis que se associam a esses eventos súbitos.
Podem essas imagens estratificar suficientemente o risco a ponto de podermos escolher os pacientes que poderiam se beneficiar com uma angioplastia preventiva?
As lesões que se mostram isquêmicas ao serem avaliadas com fluxo fracionado de reserva (FFR) têm indicação de revascularização. A pergunta fica pendente de resposta no que se refere àquelas lesões com FFR negativo e que poderiam ser vulneráveis.
O que se tem visto na evidência é que as lesões com FFR negativo em geral evoluem muito bem com somente tratamento médico. Poderíamos citar como exemplo o estudo FAME, no qual só 1 de 513 lesões diferidas por FFR negativo resultou em um infarto em 2 anos de seguimento. Combinando o risco de morte cardiovascular e infarto, essa conduta alcançaria 1% ao ano no pior dos casos.
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O outro ponto é que a angioplastia (apesar da evolução dos stents, da farmacologia e das técnicas de implante) não é completamente inócua, tanto a curto quanto a longo prazo.
Os trabalhos com stents farmacológicos modernos mostraram uma taxa de morte e infarto de entre 2% a 3,5% ao ano. A isso teríamos que somar 2% de revascularização repetida justificada pela clínica. Tudo isso somado vs. 1% do tratamento médico em lesões com FFR negativo tornam óbvia a necessidade de imagens para que a teoria da angioplastia preventiva funcione.
A histologia virtual com IVUS foi utilizada no estudo PROSPECT, que é uma das mais impressionantes análises da história natural da doença aterosclerótica. Com 3 anos de seguimento foram encontrados alguns parâmetros do IVUS que poderiam predizer eventos, embora estes tenham sido revascularizações ou re-hospitalizações. A taxa de eventos duros como morte ou infarto continuo sendo muito baixa.
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Estudos com OCT observaram que os pacientes com 4 características simultâneas definidas como de risco abrangem somente 3,6% da população. Entre estes pacientes “super perigosos” que apresentavam as 4 características de risco (simultaneamente) definidas pelo OCT, somente 18,9% apresentou eventos em 1 ano de seguimento.
Havia 3 trabalhos randomizados em andamento para avaliar o conceito de angioplastia em lesões com FFR negativo, mas eles começaram a recrutar pacientes utilizando as plataformas bioabsorvíveis que hoje estão fora do mercado. Deveriam ter mudado a inclusão a stents metálicos farmacológicos, detido o braço de tratamento ou continuado como uma coorte observacional não randomizada. Nesse sentido, esses trabalhos podem responder à pergunta que nos ocupa.
Um seguimento mais prolongado tampouco parece ser a solução. Estudos como o FAME e o DEFER não puderam demonstrar isso após 15 anos de seguimento. Também temos que considerar o fato de as características de risco das placas evoluírem com o tempo. É esperável que o tratamento médico ótimo consiga fazer desaparecer essas características de risco.
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Em conclusão, a teoria da angioplastia preventiva em placas vulneráveis com FFR negativo teria um eventual benefício absoluto tão pequeno que seria necessário incluir uma quantidade proibitiva de pacientes para demonstrar isso.
O FFR proporciona a suficiente informação que necessitamos de maneira rápida, reproduzível, justificando assim a utilização de mais recursos (IVUS, OCT, NIRS, etc.) quando seu resultado é negativo.
Título original: Stenting “Vulnerable” But Fractional Flow Reserve–Negative Lesions Potential Statistical Limitations of Ongoing and Future Trials.
Referência: Frederik M. Zimmermann et al. JACC Cardiovasc Interv. 2021 Feb 22;14(4):461-467. https://doi.org/10.1016/j.jcin.2020.05.036.
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