Dispositivo MyVal em Insuficiência Aórtica pura não calcificada

Devido aos resultados de longo prazo demonstrados e ao incremento substancial na realização de procedimentos de implante percutâneo da valva aórtica (TAVI), sua aplicação se estendeu a situações clínicas não originalmente previstas, como a insuficiência aórtica não calcificada (IAoNC). Esses novos cenários instauram um desafio técnico na colocação dos dispositivos devido à ausência de cálcio para a ancoragem ou à presença de anéis com maiores diâmetros. 

Dispositivo MyVal en Insuficiencia Aórtica pura no calcificada

Atualmente existem dispositivos especializados para abordar esta problemática, como o sistema Trilogy TAVR, da JenaValve Technology. No entanto, a versão atual de dito sistema só abrange anéis com diâmetros de até 27 mm. Por outro lado, o dispositivo expansível por balão Myval, desenvolvido pela Meril Life Scieces, oferece a vantagem potencial de cobrir uma gama mais ampla de áreas anulares, chegando a até 840 mm2. Apesar disso, a aplicação está documentada somente em relatórios isolados de casos. 

O propósito deste estudo foi pesquisar a experiência com o dispositivo Myval e apresentar os resultados de curto e médio prazo. Para isso, foi levado a cabo um estudo observacional de alcance internacional e multicêntrico, no qual se incluíram pacientes com IAoNC severa sintomática que não eram candidatos a cirurgia segundo a avaliação da equipe médica. Participaram 17 centros médicos na Europa, Estados Unidos e na região da Ásia-Pacífico. Os pacientes com estenose aórtica concomitante (com velocidade máxima > 2,5 m/s) foram excluídos. 

Os desfechos primários (DP) deste estudo se centraram nas taxas de mortalidade por todas as causas e mortalidade cardiovascular em um ano. Os desfechos secundários (DS) abordaram a re-hospitalização, o sucesso do dispositivo e outros eventos clínicos relevantes a partir dos 30 dias. 

Leia também: Preditores e evolução do marca-passo definitivo após o TAVI nas válvulas autoexpansíveis.

A análise se baseou em uma amostra de 113 pacientes, com uma maioria de 64,6% de indivíduos de sexo masculino. A idade média foi de 78,4 ± 7,5 anos e os escores STS e EuroSCORE II promediaram 2,7 ± 1,7% e 3,5 ± 2,7%, respectivamente. A maioria dos pacientes apresentavam um grau de insuficiência aórtica severa (96,5%), com 59,3% que exibia dilatação da raiz aórtica (≥ 40 mm) e 7,1% com valva aórtica bicúspide. A área anular média foi de 638,6 ± 106,0 mm2, com um predomínio de 85% sem calcificação e o restante com calcificação leve. A forma subanular do trato de saída do ventrículo esquerdo (TSVE) foi categorizado como tubular em 12,4% dos casos, cônico em 58,4% e estreito em 28,6%.

A totalidade dos procedimentos foi realizado mediante abordagem transfemoral, com anestesia geral em 39,8% dos casos e guia transesofágica em 19,5%. A pré-dilatação não foi necessária, embora 4,4% tenha precisado de pós-dilatação. O tamanho anular da valva ficou dentro da faixa recomendada para tamanhos extra grandes em 81,4% dos casos, com um aumento adicional do volume no balão para alcançar a superexpansão em 92% dos casos. O grau médio de superdimensionamento foi de 17,9 ± 11,0%, com uma variabilidade que oscilou entre -9,5% e 38,1%.

As taxas de sucesso técnico e do procedimento foram de 94,7% e 92,0%, respectivamente. Não foram registrados casos de ruptura anular, tamponamento cardíaco, obstrução coronariana nem acidente vascular cerebral. Foram documentados, no entanto, evento de embolização da valva em 3,5% dos casos (1 anterógrada e 3 ventriculares), sendo a morfologia estreita de TSVE um preditor significativo de embolização ventricular (12,5% vs. 0%; p = 0,007). 

A ecocardiografia posterior ao procedimento revelou ausência de regurgitação aórtica residual em 68,1% dos casos, regurgitação trivial em 23%, regurgitação leve em 7,1% e regurgitação moderada em 1,8% dos casos. Em 13,3% houve a necessidade de implante permanente de marca-passo (MCP). A mortalidade intra-hospitalar foi de 3,5% e a mortalidade cardiovascular alcançou 1,8%, sem que tenham sido observados episódios cerebrovasculares durante o período de internação. 

Leia também: Resultados a largo prazo após uma ATC complexa segundo a experiência do operador e a utilização de IVUS.

Em 30 dias foram registradas 2 mortes adicionais, elevando a taxa de mortalidade global a 5,3%, além de 2 eventos cerebrovasculares (1,8%). A necessidade de MCP se situou em 15,1%, com uma taxa de re-hospitalização de 3,5%. A taxa de mortalidade em um ano se estabeleceu em 9,7% com 5,3% de casos de eventos cerebrovasculares e um aumento na taxa geral de MCP (22,2%).

Identificou-se que o sucesso técnico se vinculou com uma sobrevivência melhorada (97,1% vs. 72,7%; p = 0,012), ao passo que a embolização da valva se destacou como o principal determinante da mortalidade (p = 0,047). Os preditores de risco de mortalidade e re-hospitalização em um ano incluíram o fracasso técnico, a fração de ejeção do ventrículo esquerdo no seguimento (31,0 ± 16,9% vs. 43,2 ± 13,0%; p = 0,007) e o gênero (homens 20,5% vs. mulheres 5,0%; p = 0,027).

Conclusões

É o primeiro registro do uso de Myval para o tratamento de IAoNC. Não se observou um elevado sucesso do procedimento, com escassa insuficiência residual, e um adequado perfil de segurança. Por sua vez, foi possível observar que a complicação da embolização do dispositivo ocorreu nos TSVE estreitos (com um aumento da mortalidade). 

Dr. Omar Tupayachi

Dr. Omar Tupayachi.
Membro do Conselho Editorial da SOLACI.org.

Título Original: Clinical outcomes of TAVI with the Myval balloon-expandable valve for non-calcified aortic regurgitation.

Referência: Sanchez-Luna, Juan Pablo et al. “Clinical outcomes of TAVI with the Myval balloon-expandable valve for non-calcified aortic regurgitation.” EuroIntervention : journal of EuroPCR in collaboration with the Working Group on Interventional Cardiology of the European Society of Cardiology, EIJ-D-23-00344. 11 Aug. 2023, doi:10.4244/EIJ-D-23-00344.


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