A isquemia crítica de membros inferiores (ICMI) está associada a uma grande deterioração da qualidade de vida e a um aumento significativo da morbimortalidade. Sua incidência anual estimada é de 220 a 3500 casos por milhão de pessoas, com uma prevalência de 11% dos pacientes com doença arterial periférica.
A ICMI representa a etapa “terminal” da arteriopatia periférica e à medida que o tempo transcorre apresenta um risco incrementado de amputação, com uma incidência de 25% um ano após o diagnóstico. O tratamento atual se baseia em medicação para reduzir o risco cardiovascular, revascularização para melhorar a perfusão e controle local do tecido afetado para controle de infeções ou reparação de feridas.
O objetivo deste trabalho (BEST-CLI) foi determinar se a revascularização endovascular é superior à revascularização cirúrgica em pacientes com ICMI causadas por doença arterial periférica infrainguinal candidatos a ambos os procedimentos.
Fez-se um estudo prospectivo, randomizado e multicêntrico de superioridade em 150 centros da América do Norte e Europa. Estudaram-se duas coortes, uma com possibilidade de usar uma veia safena maior como conduto (Coorte 1) e outra na qual se usou algum conduto alternativo (Coorte 2).
Foram incluídos pacientes com diagnóstico de ICMI (dor em repouso, úlcera não curada ou gangrena), excluindo-se pacientes com elevado risco cirúrgico para o procedimento. A randomização foi 1:1. O seguimento foi de até 84 meses pós-randomização.
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O desfecho primário (DP) foi uma combinação de eventos adversos maiores do membro (amputação acima do tornozelo, novo by-pass, trombectomia ou trombólise) ou morte por qualquer causa. Os desfechos de eficácia e segurança foram um evento maior do membro, morte perioperatória em 30 dias, reintervenções menores ou um evento cardiovascular maior (IAM, AVC ou morte).
Na coorte 1 foi feito o seguimento de 1434 pacientes com possibilidade de uso de veia safena maior (718 com cirurgia de by-pass e 716 com tratamento endovascular) com um seguimento médio de 2,8 anos. A idade média foi de 66,9 anos, 70% dos pacientes apresentavam diabete e 36% eram tabagistas.
Dentre os pacientes cirúrgicos foram levadas a cabo 307 cirurgias de by-pass femoropoplíteos, 276 femorotibiais e 115 popliteotibiais (sucesso técnico de 98%). Por outro lado, a abordagem endovascular foi levada a cabo em 487 casos na femoral superficial (FS), 382 na poplítea e 381 infrapoplítea, principalmente com revascularização com balão (sucesso técnico de 85%).
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O DP ocorreu em 42,6% dos pacientes cirúrgicos e em 57,4% dos endovasculares (HR 0,68, IC 95%, 0,59-0,79; p < 0,001), as reintervenções maiores ocorreram em 9,2% das cirurgias e em 23,5% das angioplastias (HR 0,35, IC 95% 0,27-0,47), 10,4% dos pacientes operados foram submetidos a amputação no seguimento em comparação com 14,9% do ramo endovascular (HR 0,73, IC 95% 0,54-0,98).
Na análise de subgrupos evidenciaram-se resultados similares, excetuando-se os pacientes com mais de 80 anos, de raça negra, com revascularização prévia homolateral ou disfunção renal.
No seguimento 40% dos pacientes recrutados apresentaram MACE, sem diferenças entre os dois tipos de tratamento.
Na coorte 2 – de pacientes sem safena maior ótima – obtiveram-se dados de 396 pacientes, com um seguimento de 1,6 anos. Os condutos cirúrgicos escolhidos foram: 48 by-pass de veia autóloga alternativa e 119 com prótese, havendo 19% de uso de safena que no intracirúrgico foram viáveis. O ramo endovascular foi submetido a angioplastia em 133 AFS, 114 poplíteas e 86 tibiais. O DP em cirurgia (42,8%) vs. endovascular (47,7%) não apresentou diferenças significativas (HR 0,79, IC 95% 0,58-1,06; p = 0,12).
Conclusões
A realização deste estudo internacional, pragmático e de grande número de pacientes é um passo importante no tratamento dos pacientes com ICMI; 15 anos depois da publicação do estudo mais emblemático em isquemia crítica (BASIL) é possível obter dados fidedignos.
Estes dados mostram a importância de planejar uma intervenção nesses pacientes. É importante ressaltar que, neste estudo, a veia safena maior como conduto mostrou menos eventos, ao passo que, nos pacientes não candidatos ao uso de safena, os de mais de 80 anos ou com disfunção renal não apresentaram diferenças significativas no que ao tratamento endovascular se refere.
Dr. Omar Tupayachi.
Membro do Conselho Editorial da SOLACI.org.
Título Original: Surgery or Endovascular Therapy for Chronic Limb-Threatening Ischemia.
Referência: Farber A, Menard MT, Conte MS, Kaufman JA, Rosenfield K, et al; BEST-CLI Investigators. Surgery or Endovascular Therapy for Chronic Limb-Threatening Ischemia. N Engl J Med. 2022 Nov 7. doi: 10.1056/NEJMoa2207899. Epub ahead of print. PMID: 36342173.
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