O que fazer com níveis de pressão entre 130/80 e 139/89 mmHg?

A decisão a tomar em um paciente livre de tratamento que apresenta cifras de tensão arterial acima de 160 mmHg de sistólica ou 100 mmHg de diastólica é fácil e está respaldada pelos guias: é necessário iniciar o tratamento imediatamente juntamente com as mudanças no estilo de vida.

Las nuevas guías Europeas de Hipertensión contrastan con las AmericanasPara aqueles valores entre 140 e 159 de sistólica ou de 90 e 99 de diastólica os guias europeus de 2018 são mais liberais, recomendando o tratamento farmacológico mais mudanças no estilo de vida para todos os pacientes, inclusive aqueles com um risco cardiovascular baixo a moderado. Uma vez mais, a decisão a tomar é fácil e o anteriormente mencionado coincide com os guias ACC/AHA de 2017.

 

Com base no afirmado, poderíamos concluir que há acordo em ambos os lados do Atlântico sobre como manejar pacientes com cifras acima de 140/90, para além de seu risco cardiovascular global.


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Entretanto, em medicina nem tudo é branco ou preto: os pacientes com cifras entre 130/80 e 139/89 existem e são uma proporção significativa e heterogênea da população, e é aí que terminam as coincidências entre as diferentes sociedades científicas. Se os grandes especialistas não podem entrar em acordo, o que pode fazer um cardiologista clínico que trabalha sozinho em seu consultório?

 

Esta falta de consenso se viu refletida até mesmo na definição. Para os americanos aqueles pacientes com cifras entre 120/80 e 139/89 eram definidos como “pré-hipertensos”, uma forma de enfatizar o alto risco que têm a futuro de desenvolver a doença. Contraditoriamente, os europeus e também os canadenses catalogam ditas cifras como “normais altas”, colocando ênfase no fato de tais cifras não serem de nenhuma maneira sinônimo de hipertensão.

 

A estratégia da ACC/AHA em 2017 foi radical, trocando o termo “pré-hipertensos” diretamente por hipertensos grau 1. Tal decisão foi tomada com base em alguns estudos que mostraram que o risco de AVC e doença coronariana é maior que naqueles pacientes que apresentam cifras inferiores a 120/80.


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Para além das definições, a pergunta do milhão é se os pacientes entre 130/80 e 139/89 deveriam iniciar tratamento farmacológico. Infelizmente não há estudos randomizados controlados com placebo nesta população e os guias acabaram se baseando em estudos observacionais ou metanálises.

 

Os guias americanos de 2017 claramente recomendam tratamento farmacológico em dita população juntamente com mudanças no estilo de vida em presença de pelo menos uma das seguintes comorbidades: diabetes, doença renal crônica, histórico de doença vascular, um risco em 10 anos ≥ 10% ou uma idade ≥ 65 anos.

 

A posição dos Europeus é diferente: o tratamento farmacológico “poderia ser considerado” em presença de doença vascular estabelecida ou naqueles casos onde as cifras estiverem roçando os 140/90, inclusive com um risco cardiovascular baixo ou moderado. Para os diabéticos, o tratamento farmacológico é recomendado somente com pressão acima de 140/90 e com um objetivo mais moderado (menos de 130 mmHg e não menos de 120 mmHg como recomendam os americanos).


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O Dr. Colantonio apresentou uma análise do estudo REGARDS (Reasons for Geographic And Racial Differences in Stroke), onde os pacientes foram definidos de acordo com os guias da ACC/AHA 2017 (< 130/80, 130/80 a 139/89 e > 140/90). Os pacientes foram classificados de acordo com a ausência ou presença de tratamento no momento da admissão, a presença ou ausência de condições clínicas que marcassem o início do tratamento e se este foi iniciado ou intensificado de acordo com os guias.

 

A parte mais interessante, logicamente, foi a análise daqueles pacientes com cifras entre 130/80 e 139/89 que não receberam tratamento farmacológico.

 

Neste último grupo, a taxa de eventos cardiovasculares e mortalidade foi 6 vezes maior que naqueles tratados de acordo com os guias americanos. Os eventos também foram maiores para os que se encontravam em dita faixa, mas seu tratamento não foi intensificado para alcançar os valores ótimos recomendados pelos guias.


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O estudo do Dr. Colantonio é importante porque respalda a posição da ACC/AHA, embora tenha várias limitações como a ausência de informação sobre quando se iniciou ou se intensificou o tratamento ou a tolerância ao mesmo durante o seguimento. Muitos pacientes poderiam ter iniciado o tratamento em diferentes momentos do seguimento afetando os resultados. Além disso, o risco cardiovascular foi mais alto que o estimado no início do estudo.

 

Por último, o estudo do Dr. Colantonio também respalda os guias europeus que recomendam iniciar tratamento farmacológico ao menos em alguns indivíduos com cifras entre 130/80 e 139/89 mmHg.

 

Futuros estudos devem esclarecer o custo/benefício de tratar ou intensificar o tratamento neste grupo cinza de pacientes que encontramos com frequência em nossa prática clínica.

 

Título original: What to Do When Blood Pressure Is Between 130/80 and 139/89 mm Hg?

Referência: Paolo Verdecchia et al. J Am Coll Cardiol. 2018 Sep 11;72(11):1198-1200.


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