Os testes não invasivos convencionais para detectar doença coronariana obstrutiva mediante a indução de isquemia miocárdica não são úteis para diagnosticar espasmo coronariano nos segmentos epicárdicos ou na microvasculatura.
Os testes invasivos requerem a injeção intracoronariana de acetilcolina ou ergonovina (esta última também pode ser utilizada de forma endovenosa). Tais testes são feitos mais frequentemente em países asiáticos e mais raramente na Europa ou na América. A ideia errônea de que o espasmo coronariano é menos frequente no ocidente talvez tenha feito com que ditos testes se apartem da nossa prática clínica cotidiana.
Um estúdio recente feito com 300 pacientes com sintomas anginosos submetidos a uma coronariografia mostrou que a metade deles tinha coronárias normais ou “quase normais”. Dois terços desses pacientes apresentaram espasmo epicárdico ou microvascular com a injeção de acetilcolina.
Poder diagnosticar o espasmo não tem um valor apenas acadêmico já que existem tratamentos efetivos para aliviar os sintomas, prevenir recorrências, reduzir o risco de infarto, prevenir arritmias malignas e inclusive prevenir a morte súbita.
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Dada a imprevisibilidade da ocorrência do espasmo e o fato de sua duração ser, em geral, muito curta, é necessário provocar sua ocorrência com acetilcolina ou ergonovina. Ambas as drogas oferecem a maior sensibilidade e especificidade para diagnosticar o espasmo em pacientes suscetíveis.
A taxa de complicações maiores (morte, revascularização urgente, arritmias malignas) é de 0,31% com ergonovina endovenosa, de 0,51% com ergonovina ou acetilcolina intracoronarianas.
Este novo trabalho sugere testar o espasmo de maneira não invasiva com um ecocardiograma com ergonovina, inclusive sem a documentação com uma coronariografia da anatomia coronariana.
O ecocardiograma com ergonovina foi feito em 14 012 pacientes. Lesões obstrutivas significativas foram detectadas com angiografia ou com testes convencionais provocadores de isquemia. Não ocorreram infartos ou mortes durante o estudo, motivo pelo qual o teste demonstra ser ao menos tão seguro quanto o invasivo.
Após 10 anos de seguimento a mortalidade por qualquer causa e por causa cardiovascular foi maior nos pacientes com teste positivo. Documentar espasmo também foi preditor de eventos cardiovasculares maiores.
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Isso é muito interessante já que, pela primeira vez, temos evidência acerca da possibilidade de induzir espasmo coronariano de maneira não invasiva e em uma enorme quantidade de pacientes, embora devamos considerar algumas limitações:
- O estudo é retrospectivo e o protocolo de indução pode ter diferido nos diferentes centros que participaram. Além disso, não há dados sobre a variabilidade intra e interobservador para interpretar os resultados. Os operadores não foram cegos para a suspeita clínica de espasmo no momento da realização do estudo.
- Não se estudou se os sintomas dos pacientes eram reproduzíveis. Tampouco se analisou a correlação entre as alterações em ecocardiograma e eletrocardiograma.
- A prevalência de espasmo foi menor do que a reportada com os estudos invasivos, o que poderia sugerir a possibilidade de uma menor sensibilidade. É necessário que seja feito um trabalho prospectivo cabeça a cabeça que garanta a segurança, a sensibilidade e a especificidade do ecocardiograma com ergonovina.
Título original: Testing for Coronary Artery Spasm Noninvasively Potentially Ideal, But Safe?.
Referência: Juan Carlos Kaski et al. JACC: CARDIOVASCULAR IMAGING, article in press.
https://doi.org/10.1016/j.jcmg.2020.04.002.
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