A presença de choque cardiogênico (CC) no contexto da estenose aórtica é um fenômeno que oscila entre 1% e 4%. Dito cenário apresenta um prognóstico ominoso devido à isquemia subendocárdica que se manifesta com uma diminuição da pré-carga ventricular e um aumento da pós-carga. A valvopatia aórtica foi empregada em tal contexto mas, infelizmente, se associou a uma elevada mortalidade, chegando a alcançar cifras de entre 30% e 50% (ou inclusive mais) nos 30 dias posteriores ao procedimento. Além disso, a cirurgia apresenta um prognóstico pouco alvissareiro.
O TAVI surgiu como uma alternativa nesse cenário, embora a informação da qual dispomos seja limitada e grande parte dos procedimentos tenha sido realizado com válvulas de primeira geração, a miúde com operadoers menos experientes.
Em uma análise que abrangeu 309.505 pacientes submetidos a TAVI com válvulas SAPIEN 3 ou SAPIEN 3 ULTRA (S3U) entre os anos 2015 e 2022, identificou-se que 5006 deles (1,61%) apresentaram choque cardiogênico (SC).
O desfecho primário (DP) foi definido como a mortalidade ao longo de vários anos de seguimento.
Os grupos de pacientes apresentaram certas diferenças: aqueles com CC eram mais idosos, com menor presença de mulheres, maior escore STS (Society of Thoracic Surgeons), uma maior carga de comorbidades, mas marca-passos prévios, endocardite, valvas bicúspides, Valve in Valve (V-in-V), menor gradiente aórtico, maior insuficiência aórtica, insuficiência mitral e insuficiência tricúspide.
Em um terço dos casos foram empregadas válvulas S3U e a maioria dos procedimentos foram levados a cabo mediante acesso femoral.
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Foi feito um propensity score matching para corrigir as diferenças entre os grupos, o que resultou em um grupo de 4952 pacientes em cada categoria.
Em 30 dias, a mortalidade foi significativamente maior nos pacientes com CC [9,9% vs. 2,7%; odds ratio (OR) de 3,64, intervalo de confiança de 95% (CI) 3,02–4,39; p < 0,0001]. Por outro lado, foram observadas taxas mais altas de morte cardíaca, acidente vascular cerebral (AVC), TIA, nova diálise, sangramento com risco de vida, complicações vasculares e surgimento de nova fibrilação atrial. Não foram identificadas, contudo, diferenças no que diz respeito à necessidade de marca-passo definitivo, conversão a cirurgia, compressão ou obstrução coronariana, infarto, embolização, dissecção coronariana ou ruptura do anel valvar.
O desfecho primário, que se centrou na mortalidade, foi superior no grupo de pacientes com CC (29,7% vs. 22,%; HR de 1,57; CI de 95% 1,43–1,72; p < 0,001), e o mesmo pode ser dito em relação à ocorrência de AVC, hemorragia grave com risco de vida, diálise, fibrilação atrial e complicações vasculares maiores.
No entanto, depois dos primeiros 30 dIas, as taxas de mortalidade se igualaram entre os grupos.
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Ao analisar o seguimento de um ano, não foram encontradas diferenças significativas no que se refere à classe funcional e à qualidade de vida.
Foram identificados preditores de mortalidade no seguimento de 30 dias que incluíram a idade, o baixo gradiente aórtico, os níveis baixos de albumina, a qualidade de vida, a presença de um marca-passo definitivo prévio, a deterioração da função renal, a doença vascular periférica e o uso de dispositivos de assistência ventricular. Em 12 meses os preditores de mortalidade foram a idade, a presença de um desfibrilador implantável, a deterioração da função renal e a imunossupressão.
Deve-se destacar que os pacientes com CC mostraram uma melhora na função ventricular em 30 dias e em 1 ano.
Conclusão
Este amplo estudo observacional do “mundo real” demonstra que o TAVI é uma opção segura e efetiva no tratamento da estenose aórtica em pacientes com choque cardiogênico. Aqueles que sobrevivem para além dos 30 dias posteriores ao TAVI apresentam taxas de mortalidade similares às dos pacientes que experimentaram choque cardiogênico.
Dr. Carlos Fava.
Membro do Conselho Editorial da SOLACI.org.
Título Original: Outcomes of transcatheter aortic valve replacement in patients with cardiogenic shock.
Referência: Kashish Goel , et al. European Heart Journal (2023) 44, 3181–3195.
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