Gentileza do Dr. Agustín Vecchia.
Aproximadamente 10% dos pacientes que são admitidos com diagnóstico de síndrome coronária aguda (SCA) requerem tratamento cirúrgico. A gestão da dupla antiagregação plaquetária (DAP) perioperatória nesses pacientes é controversa e não existe evidencia randomizada a respeito do tema até o momento. Os guias recomendam a suspensão do ticagrelor cinco dias antes da cirurgia e, no trabalho mais emblemático sobre esta droga, a suspensão foi de 24 a 72 horas antes da cirurgia.
O seguinte estudo multicêntrico prospectivo foi realizado com pacientes do registro europeu de cirurgia de revascularização miocárdica (CRM). Foram incluídos pacientes consecutivos com diagnóstico de SCA submetidos a CRM isolada de janeiro a setembro de 2015.
Mediante um propensity score, configuraram-se dois grupos de 215 pacientes com características similares: um deles, com pacientes que receberam ticagrelor com ou sem aspirina e o outro com pacientes que receberam somente aspirina.
Como desfecho primário utilizou-se sangramento severo segundo a definição universal de sangramento perioperatório (UDPB) e a classificação do mesmo registro (classificação E-CABG). Como desfechos secundários foram incluídos débito das drenagens em 12 horas após a cirurgia, reexploração por sangramento excessivo ou tamponamento, uso de hemoderivados, dias de internação em unidade restrita, infecção da ferida, mortalidade intra-hospitalar e complicações renais, neurológicas e cardíacas no pós-operatório.
Dos 2.482 pacientes do E-CABG, foram incluídos 786 (31,7%). A média de idade da população foi de 67,1 anos e 16,8% foram mulheres. No grupo “somente aspirina” observou-se uma maior idade na população (média de idade de 68,3 vs. 65,1 anos; p < 0,001) e maior risco pré-operatório por EuroSCORE (3,6 vs. 3,1%; p < 0,001). O grupo ticagrelor recebeu mais frequentemente cirurgias em caráter de emergência.
Média de idade da população
Somente aspirina: 68,3
Ticagrelor: 65,1
Maior risco pré-operatório por EuroSCORE
Somente aspirina: 3,6%
Ticagrelor: 3,1%
No grupo global, o uso pré-operatório de ticagrelor esteve associado a um risco similar de sangramento usando qualquer uma das definições interiores. O mesmo foi observado nas comparações entre os grupos após o propensity match: iguais taxas de sangramento com uma maior taxa de transfusões de plaquetas (13,5% [29 de 215] para o grupo ticagrelor vs. 6,0% [13 de 215] para o grupo controle).
Comparando os pacientes que receberam somente aspirina, o uso de ticagrelor até o momento da cirurgia ou a suspensão dentro das 48 horas prévias estiveram associadas a um aumento significativo da taxa de transfusões plaquetárias (22,7% [5 de 22] vs. 6,4% [12 de 187]) e do sangramento segundo a classificação E-CABG 2 e 3 (18,2% [4 de 22] vs. 5,9% [11 de 187]).
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“O uso de ticagrelor até o momento da cirurgia ou a suspensão dentro das 48 horas prévias estiveram associados a um aumento significativo da taxa de transfusões plaquetárias e do sangramento”.
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Também no grupo de ticagrelor observou-se uma tendência a maior sangramento UDPB graus 3 e 4 (22,7% [5 de 22] vs. 9,6% [18 de 187]). Nos pacientes em que o antiplaquetário foi suspenso pelo menos 48 horas antes da cirurgia, só se observou uma maior taxa de transfusões de plaquetas no grupo ticagrelor + aspirina vs. somente aspirina (12,4% (24 de 193) vs. 3,6% (1 de 28). Quando foram analisados os subgrupos com suspensão de 2 a 3 dias e de 4 a 14 dias, não foram observadas diferenças entre eles.
Conclusão
Os autores concluem que o ticagrelor perioperatório com ou sem aspirina associada comparado com somente aspirina esteve associado a maior taxa de transfusão de plaquetas mas com similares taxas de sangramento. Naqueles pacientes que receberam ticagrelor dentro das 24 horas prévias à cirurgia, houve um aumento das taxas de sangramento severas.
Comentário editorial
Apesar de todas as limitações de um estudo retrospectivo e da possibilidade de elementos de confusão, os resultados desta análise têm sentido já que os tempos “seguros” de suspensão foram similares aos do PLATO. Na subanálise dos pacientes do estudo PLATO submetidos a CRM (considerando que o ticagrelor foi suspenso 24-72 horas antes e o clopidogrel foi suspenso cinco dias antes) os desfechos foram os mesmos que no trabalho global (menor mortalidade total e cardiovascular sem um excesso de sangramento relacionado a CRM). Como pontos negativos, apesar da coleta prospectiva dos dados, o estudo continua sendo observacional e não está isento de vieses.
O número da amostra é pequeno e, sobretudo, é pequeno o número de pacientes que não descontinuaram o ticagrelor ou que o fizeram tardiamente. Por outro lado, os pesquisadores não estavam cegos com respeito aos tratamentos, motivo pelo qual a maior taxa de hemoderivados utilizada no grupo ticagrelor pôde ter sido influenciada por este fato. Por último, só foram levados em consideração os pacientes que sobreviveram após o tratamento, motivo pelo qual não foi possível avaliar neste trabalho as consequências de esperar a cirurgia.
Os achados questionam os tempos recomendados nos guias para a suspensão do ticagrelor previamente a uma CRM. Fica claro que é necessária a realização de um estudo randomizado sobre este tema.
Gentileza do Dr. Agustín Vecchia. Hospital Alemão, Buenos Aires, Argentina.
Título original: Safety of Preoperative Use of Ticagrelor With or Without Aspirin Compared With Aspirin Alone in Patients With Acute Coronary Syndromes Undergoing Coronary Artery Bypass Grafting
Referência: Riccardo Gherli et al. JAMA Cardiol. Published online September 21, 2016.
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