Oclusão Percutânea do Apêndice Auricular.

Nossos editores conversaram com o Dr. Aníbal Damonte

A oclusão percutânea do apêndice auricular esquerdo é agora uma prática que está se tornando mais atual pelos seus resultados e perspectivas. A este respeito, entrevistamos o Dr. Aníbal Damonte, cardiologista intervencionista do Instituto Cardiovascular de Rosário (Rosário, Argentina). 

WEB SOLACI: Em primeiro lugar, gostaria de pedir que nos explique qual é a justificativa de um procedimento como a oclusão do apêndice auricular esquerdo. 

Dr. Aníbal Damonte: A justificativa para este procedimento é baseada na alta prevalência de fibrilação auricular, que todos sabemos, é a arritmia cardíaca mais comum e que por sua vez é uma das principais causas de morbimortalidade secundária para o acidente vascular cerebral do tipo cardioembólico. 

Há anos sabemos que a estratégia de proteção para este tipo de eventos está nas mãos dos anticoagulantes orais. No entanto, tanto por experiências em nossa região (registro prospectivo de fibrilação auricular realizado na Argentina há 11 anos) como por outras experiências do resto do mundo, existe entre 1 5 e17% de pacientes que têm uma contraindicação absoluta para a ingestão de anticoagulantes orais; vale dizer que é uma população desprotegida contra o acidente vascular cerebral do tipo cardioembólico. Além disso, apenas de 50 a 60% dos pacientes que recebem terapia anticoagulante encontram-se em um nível de anticoagulação adequado. Diversos estudos ecocardiográficos e anatômico-patológicos mostram que 90% dos trombos detectados nos pacientes com fibrilação auricular não valvular se originam no apêndice auricular esquerdo. Desse modo, a oclusão do apêndice auricular evitaria a geração e embolização de trombos a partir dele.

W. S.: Qual é a evidência atual que apoia este procedimento? 

A. D.: A evidência vem de vários registros e de um único estudo randomizado. Um primeiro registro, apresentado em 2005, com o primeiro dispositivo disponível (não disponível hoje) em pacientes com contraindicação absoluta de anticoagulação e uma pontuação de risco cardioembólico de aproximadamente 6% por ano (pontuação CHADS). Foi observada uma redução de 60% na taxa de eventos embólicos em comparação com o risco estimado pela pontuação CHADS. Seu beneficio se manteve após um acompanhamento por cinco anos. 

Em 2009, foram apresentados os dados do estudo randomizado PROTECT AF, com o dispositivo Watchman®, que demonstrou a não inferioridade do dispositivo em comparação com a anticoagulação oral em pacientes sem contraindicação para anticoagulação oral. Em nossa região, estamos realizando um registro, e embora ainda não tenhamos dados do acompanhamento remoto, o que de fato sabemos é que em uma população de alto risco de cardioembolia com uma pontuação CHADS2 de 3, a oclusão de apêndice auricular esquerda é viável e seguro, associando-se a uma taxa de complicações similar a outras séries.

W. S.: Sabemos que existem diversos dispositivos para fechar a apêndice auricular. Quais são as principais diferenças entre eles? 

A. D.: Nesse momento, há dois dispositivos disponíveis para a oclusão percutânea do apêndice auricular esquerdo. Um deles é o dispositivo do Watchman®, que é semelhante a um balão que é colocado no corpo do apêndice auricular e desta forma bloqueia o fluxo no interior deste. O outro dispositivo é o Amplatzer Cardiac Plug, que possui um mecanismo diferente baseado na oclusão do orifício de entrada do apêndice auricular para que não sejam formados trombos no seu interior. Ou seja, enquanto o Watchman® ocupa o corpo do apêndice auricular, o Amplatzer Cardiac Plug® fecha a boca de entrada da cavidade. 

W. S.: Quais são os riscos do paciente durante uma oclusão de apêndice auricular? 

A. D.: Este é um ponto que deve ficar bem claro para o cardiologista que encaminha o paciente e para os intervencionistas que decidam levar adiante este tipo de procedimento. O principal risco descrito com todos os dispositivos é o derrame pericárdico grave que pode levar a um tamponamento cardíaco e demandar pericardiocentese de emergência. Este risco é descrito em todas as séries e é parcialmente relacionado com a punção transeptal. É por isso que todos os operadores envolvidos com este procedimento devem ter total familiaridade com a punção transeptal, é claro. 

Por outro lado, esta complicação também pode ser o resultado da manipulação de fios de sutura, cateteres e dispositivos em uma cavidade de paredes muito finas como é o caso do apêndice auricular. A incidência de derrame pericárdico grave de acordo com as diversas séries está por volta de 3,5 a 7%. Deve notar-se que esta complicação não acarreta um evento cardiovascular maior para os pacientes, mas apenas prolonga a hospitalização. 

É importante notar que, embora a razão para o procedimento seja a de evitar o risco de acidente vascular cerebral cardioembólico, isso pode ocorrer durante o procedimento em 0,9 a 2%. Em nossa experiência latino-americana, não foram observados eventos cardioembólicos, embora seja preciso ressaltar que o risco perioperatório existe. A ocorrência de um acidente vascular cerebral embólico durante o procedimento está relacionada com o manuseio de dispositivos de grande diâmetro dentro de uma cavidade de baixo fluxo, tal como o apêndice auricular, especialmente se não se consegue uma anticoagulação ideal durante o procedimento. Além disso, é necessário excluir a presença de trombos intracavitários por meio de um Eco-transesofágico pré-operatório.

W. S.: Quando são avaliadas as complicações, a pergunta que surge é se possível reduzi-las aumentando a experiência e a familiaridade com o procedimento e/ou o dispositivo. Como é a curva de aprendizagem? Os riscos são mantidos ao longo do tempo ou tendem a diminuir? 

A. D.: Sem dúvida, como com qualquer intervenção que se está fazendo, existe o efeito da curva de aprendizagem e isso é claramente avaliado com o dispositivo de Watchman®. No estudo PROTECT AF, foi realizada uma análise de segurança de cada centro, observando-se claramente que houve uma marcante diferença na incidência de complicações entre os primeiros três pacientes em contraste com os demais pacientes submetidos ao procedimento. Além disso, a primeira metade do grupo invasivo do estudo PROTECT AF apresentou um maior número de complicações que a segunda metade do mesmo grupo. Em um estudo posterior com o mesmo dispositivo, exigido pela FDA, foi observada uma incidência muito menor de complicações, o que ilustra o efeito da curva de aprendizagem.

W. S.: Este é um procedimento relativamente pouco frequente hoje em dia, pelo menos na América Latina. Qual é a perspectiva deste procedimento? Podemos esperar o surgimento de novos dispositivos para uma oclusão mais eficaz do apêndice auricular? 

A. D.: A questão é muito apropriada, no sentido de que, em primeiro lugar, para aumentar o acesso a esta prática, é necessário organizar uma equipe multidisciplinar para permitir a seleção ideal dos pacientes. É essencial que o cardiologista de atendimento primário coordene esforços com o hematologista para avaliar o risco embólico e o risco de sangramento que contraindique a terapia anticoagulante, mesmo na vigência de anticoagulantes orais novos e mais seguros. Para avaliar o risco embólico, é usada a pontuação CHADS2. Então, junto com o cardiologista atendimento primário, o hematologista, e em alguns casos o eletrofisiologista, que avalia a viabilidade da ablação da fibrilação auricular, o cardiologista intervencionista determinará a viabilidade técnica da realização do procedimento. 

Sem dúvida, há uma população de pacientes que podem se beneficiar deste procedimento, mas isso requer a seleção correta de candidatos adequados. Possivelmente, as indicações podem ser expandidas diante da disponibilidade de novas gerações de dispositivos de oclusão mais confiáveis.

W. S.: Dr. Damonte, obrigado pela clareza de seus conceitos. 

A. D.: Obrigado a vocês. 

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