Mecanismos de persistência da angina após uma angioplastia

A persistência ou recorrência da angina após uma angioplastia coronariana pode afetar entre 20% e 40% dos pacientes a curto e médio prazo. Isso parece manter a prevalência apesar da otimização da angioplastia com o uso da função, das imagens intravasculares e dos últimos stents farmacológicos. Esse problema se associa a um enorme custo na saúde que pode ascender ao dobro nos casos de pacientes com angina recorrente ou persistente vs. aqueles que ficam livres de sintomas. As diretrizes não são claras sobre como devemos proceder e há várias lacunas nos mecanismos fisiopatológicos, o que acaba transformando os pacientes afetados em uma verdadeira dor de cabeça para os cardiologistas clínicos e para os intervencionistas.

Seguimento de 10 anos de estratégia invasiva vs. conservadora em infartos sem supradesnivelamento do ST

No estudo ORBITA, os benefícios da angioplastia em comparação com um procedimento “encoberto” foram pouco claros. Um dos potenciais mecanismos identificados pelos autores é a angina microvascular, embora esse trabalho tenha sido muito criticado por várias limitações metodológicas.

A trombose do stent e a reestenose são causas infrequentes de angina recorrente pós-angioplastia. De fato, na prática clínica contemporânea a taxa de trombose do stent é < 1% durante o primeiro ano e entre 0,2% e 0,4% por ano a partir daí. A reestenose clinicamente relevante só explica 5% dos casos de angina após um ano de seguimento.

A revascularização incompleta pode ocorrer em até 30% dos pacientes, embora as definições de revascularização incompleta sejam bastante heterogêneas.


Leia também: A FDA expande a indicação do TAVI a pacientes de baixo risco.


Outra potencial causa de angina pós-angioplastia pode ser a aterosclerose difusa sem estenoses focais que levam a uma queda da pressão persistente ao longo de toda a árvore coronariana.

A disfunção microvascular pode ser outra causa de angina pós-angioplastia. Com efeito, o implante do stent pode causar ou piorar o problema. Esse mecanismo pode ser a causa de até a metade dos pacientes que continuam com sintomas, ainda que, como na maioria das possíveis causas, sejam necessários estudos prospectivos.

A adaptação crônica da microcirculação a uma redução da pressão distal devido a uma estenose ou oclusão epicárdica poderia influenciar negativamente sua capacidade de adaptação à máxima dilatação após a restauração do fluxo e uma pressão de perfusão normal. E o que é ainda pior, a capacidade da microcirculação de recuperar o tónus vasomotor normal pode variar em cada paciente.

A angioplastia também pode contribuir para uma função microvascular ruim por microembolização de detritos de material que podem causar vasoconstrição na zona adjacente, tanto da macro quanto da microcirculação, devido à eluição da droga a ao polímero.


Leia também: A anticoagulação pode afetar a vida útil das pontes coronarianas?


A disfunção endotelial também pode ser prévia, e em realidade pode ser desmascarada quando se soluciona a obstrução epicárdica com a angioplastia. Em particular esta disfunção da microcirculação está implicada na insuficiência cardíaca com fração de ejeção conservada.

Por último mas não menos importante, a microcirculação regula o fluxo miocárdico e portanto o estresse da parede (shear stress) dos grandes vasos epicárdicos que podem levar ao remodelamento do vaso e à formação de placas.

As diretrizes da ESC para pacientes com doença coronariana estável recomendam um teste de esforço no seguimento em pacientes com angina persistente ou recorrente pós-angioplastia, preferentemente combinada com imagens (classe I, nível de evidência C). Assim, um teste de esforço representa para a maior parte dos casos o primeiro estudo diagnóstico para os pacientes com angina pós-angioplastia.

Os estudos invasivos ficam reservados para os pacientes com > 10% do miocárdio isquêmico (Classe I, nível de evidência C). No entanto, devemos queimar etapas e recorrer diretamente à coronariografia no caso da angioplastia de alto risco (Classe IIb, nível de evidência C).


Leia também: FFR para predizer o resultado das pontes: puro benefício em uma população demasiadamente pura?


Alguns dados sutis que podem nos ajudar como diagnósticos diferenciais: a angina vaso-espástica costuma ocorrer em repouso, frequentemente à noite e com uma tolerância ao exercício conservada. Por outro lado, a angina microvascular gera uma dor prolongada que não responde imediatamente aos nitritos.

Título original: Mechanisms and diagnostic evaluation of persistent or recurrent angina following percutaneous coronary revascularization. On behalf of the Coronary Vasomotion Disorders International Study Group (COVADIS)

Referência: Filippo Crea et al. European Heart Journal (2019) 0, 1–10. Article in press.


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