STEMI: Qual é o melhor inibidor P2Y12 conforme uma metanálise em rede?

Título original: Optimal P2Y12 inhibitor in patients with ST-segment elevation myocardial infarction undergoing primary percutaneous coronary intervention: a network meta-analysis.

Referência: Rafique AM et al. J Am Coll Cardiol Intv 2016;9:1036–46.

 

Gentileza do Dr. Alejandro Lakowsky.

 

STEMI - Inhibidores

 

Os pesquisadores elaboraram uma metanálise em rede que incorporou 37 estudos com mais de 88.000 pacientes cursando um infarto com supradesnivelamento do segmento ST (STEMI), na qual compararam a eficácia e segurança de clopidogrel, prasugrel, ticagrelor e cangrelor.

Alguns resultados eram previsíveis:

  • A menor eficácia clínica na prevenção de eventos trombóticos do clopidogrel em relação ao prasugrel e ao ticagrelor.
  • A escassez de dados clínicos com cangrelor, que impedem estabelecer conclusões.

 

Porém, outros resultados foram provocadores e surpreendentes:

  • Um primeiro fato chamativo é que a taxa de sangramento maior foi similar entre clopidogrel, prasugrel e ticagrelor. Nos grandes ensaios randomizados que compararam o prasugrel e o ticagrelor vs. clopidogrel (Triton-TIMI 38 e Plato), ambas as drogas produziram mais sangramentos maiores não relacionadas à cirurgia que o clopidogrel. Os pesquisadores justificaram esta ocorrência pelo falto de a população com STEMI ter uma idade ligeiramente inferior (3 anos em média) e menos comorbidades que os pacientes com SCA ou ST.

 

  • Outro fato ainda mais chamativo é a notícia de que o prasugrel se associou a uma significativamente menor mortalidade e incidência de MACE que o ticagrelor, tanto um mês quanto um ano após o evento. Não existem estudos que tenham comparado cabeça a cabeça estas drogas com desfechos clínicos. Para chegar às conclusões mencionadas acima, os autores se basearam em somente 4 estudos randomizados de pequenas dimensões (ao redor de 200 pacientes em total) com desfechos substitutivos (principalmente agregometria plaquetária) desenhados como ensaios de farmacocinética e farmacodinâmica e não de eficácia clínica, aos quais foi acrescida informação não randomizada de análise post-hoc de outros estudos que não foram desenhados para comparar os benefícios clínicos de inibidores P2Y12. A maior parte dos dados disponíveis são da etapa intra-hospitalar e até 30 dias após o infarto, sendo as conclusões de 12 meses de seguimento evidência indireta gerada pela metodologia da metanálise.

 

As metanálises em rede (network meta-analysis) são estudos complexos de comparação indireta introduzidos na última década que foram desenhados como uma ferramenta alternativa às metanálises convencionais de comparação por pares (pairwise meta-analysis).2-4 As revisões sistemáticas usaram tradicionalmente metanálises por pares para avaliar estudos cabeça a cabeça, nos quais se compara A vs. B. Quando não existem ditos estudos, quando o número de pacientes incluído é limitado ou quando devem ser avaliados mais de dois tratamentos, podem ser utilizadas estas comparações indiretas de estudos em rede, onde as terapêuticas são relacionadas através de um terceiro estudo (A e B em relação a C).

Para concluir, em algumas ocasiões as metanálises em rede podem incluir alguns estudos cabeça a cabeça somados a evidência indireta, as quais foram denominadas comparações mistas. Dependendo da condição a ser investigada e do número de estudos a serem incluídos, estas metanálises em rede podem chegar a ser muito complexas. Uma metanálise em rede confiável se baseia em uma série de pressupostos:

  1. Todos os estudos relevantes foram incluídos.
  2. Os estudos individuais não possuem viés.
  3. Os ensaios são homogêneos no que se refere ao desenho e à população incluída.
  4. Não há modificadores de efeito, ou a análise foi ajustada de acordo com estes modificadores.
  5. Nas comparações mistas, os estudos são consistentes, isto é, há concordância entre as evidências diretas e indiretas.

 

Apesar deste potencial nível de complexidade, as avaliações em rede não escapam a certas considerações e requisitos próprios a qualquer metanálise, os quais, em sua maioria, não foram cumpridos na presente publicação de Rafique e col. Os estudos incluídos se baseiam em populações diferentes e com definições e desenhos díspares.

A propósito, os estudos Triton y Plato (os ensaios clínicos mais representativos de prasugrel e ticagrelor) são muito dissimiles e difíceis de comparar. O Triton randomizou os pacientes depois do conhecimento da anatomia coronariana. Quando se havia decidido uma estratégia intervencionista (diferentemente do Plato, que os incluiu previamente ao cateterismo, permitindo-se qualquer estratégia de tratamento intervencionista, cirúrgica ou médica) não se permitiu o uso de doses de carga superiores a 300 mg. de clopidogrel no Triton e sim no Plato. A mortalidade cardiovascular do grupo de controle foi de 2,4% no Triton e de 5,1% no Plato.5,6 A partir desses dois universos diferentes, Rafique e col. extraíram os dados de subgrupos de pacientes STEMI para incluí-los na metanálise.

Metodologicamente, esta metanálise também mostra outras sérias limitações:

  • Não se proporciona informação sobre a heterogeneidade dos estudos, nem sobre os vieses de publicação. A maior parte dos pacientes provém de estudos observacionais e não randomizados.
  • Não se menciona como foi avaliada a qualidade dos estudos analisados.
  • Não se informam acerca de análises de sensibilidade. Estas poderiam ter proporcionado informação sobre como se comporta o modelo em função de distintos ajustes e se os resultados são consistentes com base nas evidências diretas e indiretas.
  • Finalmente, os autores citam em suas referências distintos artigos de opinião de Serebruany e DiNicolantonio, os quais foram duramente questionados em suas apreciações por parcialidade e falta de objetividade.7,8

Atualmente se encontra em processo um estudo clínico randomizado que comparará cabeça a cabeça o prasugrel vs. o ticagrelor em pacientes com síndromes coronárias agudas e estratégia invasiva com desfechos clínicos: o ISAR-REACT 5, conduzido pelo grupo de A. Kastrati, na Alemanha, e que planeja incluir quase 4 mil pacientes.9 O mesmo permitirá dispor de informação direta sobre os resultados clínicos com ambas as drogas em uma mesma população e suas vantagens e limitações em distintos grupos.

Enquanto isso, comparar alhos com bugalhos não parece ser a melhor maneira de escolher que inibidor P2Y12 usar em pacientes com STEMI.

 

Bibliografia:

  • Rafique AM, Nayyar P, Wang TY, et al. Optimal P2Y12 inhibitor in patients with ST-segment elevation myocardial infarction undergoing primary percutaneous coronary intervention: a network meta-analysis. J Am Coll Cardiol Intv 2016;9:1036–
  • Jansen JP, Fleurence R, Devine B, Itzler R, Barrett A, Hawkins N, Lee K, Boersma C, Annemans L, Cappelleri JC: Interpreting indirect treatment comparisons and network meta-analysis for health-care decision making: report of the ISPOR Task Force on Indirect Treatment Comparisons Good Research Practices: Part 1. Value Health 2011, 14: 417-428.
  • Thompson SG: Systematic Review: Why sources of heterogeneity in meta-analysis should be investigated. BMJ 1994, 309: 1351-1355.
  • Jansen JP, Naci H. Is network meta-analysis as valid as standard pairwise meta-analysis? It all depends on the distribution of effect modifiers. BMC Medicine 2013; 11:159-166.
  • Wiviott SD, Braunwald E, McCabe CH, et al. Prasugrel versus clopidogrel in patients with acute coronary syndromes. N Engl J Med 2007;357:2001-15.
  • Wallentin L, Becker RC, Budaj A, et al. Ticagrelor versus clopidogrel in patients with acute coronary syndromes. N Engl J Med 2009;361:1045-57.
  • James SK, Pieper KS, Cannon CP et al. Ticagrelor in Patients With Acute Coronary Syndromes and Stroke. Interpretation of Subgroups in Clinical Trials. Stroke 2013; 44:1477-1479.
  • Montalescot G; van’t Hof AW. The hazards of approximations and extrapolations: Insights from the ATLANTIC study. Thromb Haemost 2015;114:11-13.
  • Schulz S, Angiolillo DJ, Antoniucci D, et al. Randomized Comparison of Ticagrelor versus Prasugrel in Patients with Acute Coronary Syndrome and Planned Invasive Strategy—Design and Rationale of the Intracoronary Stenting and Antithrombotic Regimen: Rapid Early Action for Coronary Treatment (ISAR-REACT) 5 Trial. J of Cardiovasc Trans Res 2014; 7:91–

 

Gentileza do Dr. Alejandro Lakowsky, MTSAC.

Declaração de conflitos de interesse: AstraZeneca.

 

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