ACC 2020 Virtual | O controverso estudo ISCHEMIA chega finalmente a NEJM

Em novembro de 2019 durante as sessões científicas da AHA foi apresentado este revolucionário estudo que atraiu a atenção de todos os cardiologistas. Tínhamos que esperar até março para poder ler a letra miúda e, naquele momento, uma pandemia global como a que estamos vivendo hoje certamente seria mais possível como roteiro de ficção científica do que como algo concebível na realidade. 

ACC 2020 Virtual | El controvertido estudio ISCHEMIA llega finalmente a NEJM

O mundo mudou nestes 4 meses, mas o ISCHEMIA chegou às páginas de uma revista especializada (não esperávamos menos que o NEJM) e foi apresentado de forma virtual no ACC 2020.  

Pode haver alguma incerteza sobre a interpretação dos resultados do ISCHEMIA, já que eles dependem da definição de infarto que se escolha, e é óbvio o fato de que isso tem impacto nos eventos. O que sim, está claro, é que não há uma vantagem evidente de nenhuma das duas estratégias (inicialmente invasiva com eventual revascularização vs. tratamento médico ótimo) após 4 anos de seguimento. 

Estes achados colocam em evidência o enorme benefício que o tratamento médico contemporâneo tem para aqueles que padecem doenças coronarianas. Em tal aspecto, a aderência às diretrizes deve ser estrita. 


Leia também: ACC 2020 Virtual | Mais dados do ISCHEMIA: mulheres com mais sintomas mas com menos isquemia.


Os pacientes com doença coronariana estável que possam ser qualificados dentro do perfil daqueles que foram randomizados para o ISCHEMIA podem ser tratados inicialmente de maneira conservadora, a não ser que apresentem inaceitáveis níveis de angina (em tal caso a estratégia invasiva demonstrou sua superioridade). A revascularização (angioplastia ou cirurgia) é mais efetiva que o tratamento médico ótimo somente no que diz respeito ao alívio dos sintomas. Neste sentido específico trata-se de uma estratégia razoável.  

O estudo ISCHEMIA foi realizado em 320 centros de 37 países e incluiu 5179 pacientes com doença coronariana estável, fração de ejeção conservada e isquemia moderada ou severa em estudos de imagens ou de tolerância ao exercício. Mais de 50% da população do estudo apresentava isquemia severa de base.

Todos foram randomizados a uma estratégia invasiva com coronariografia e angioplastia – caso fosse necessário – mais tratamento médico ótimo vs. uma estratégia inicialmente conservadora com tratamento médico ótimo unicamente. 


Leia também: ACC 2020 Virtual | Vericiguat: uma nova esperança em relação à insuficiência cardíaca crônica.


A randomização foi feita antes de uma angiotomografia cega para os pesquisadores. Dita tomografia esteve disponível em aproximadamente dois terços da população incluída e serviu para descartar doença “perigosa” (tronco da coronária esquerda ou equivalentes) e confirmar que efetivamente existia doença coronariana. 

O desfecho primário em 6 meses foi de 5,3% na estratégia invasiva vs. 3,4% na conservadora e em 5 anos a taxa acumulada de eventos foi de 16,4% vs. 18,2%, respectivamente (IC 95% 4,7 a 1,0).

Os pacientes da estratégia invasiva apresentaram mais infartos periprocedimento a princípio (como em qualquer estudo com um braço invasivo) e menos infartos não relacionados com o procedimento no seguimento de mais longo prazo. A mortalidade por qualquer causa foi baixa e similar em ambos os grupos. 


Leia também: ACC 2020 Virtual | TAILOR PCI: indicar clopidogrel com base nos genes não muda a história.


A definição secundária de infarto do ISCHEMIA inclui os infartos periprocedimento. Se a usássemos poderíamos concluir que a estratégia conservadora é superior. No entanto, os autores decidiram não utilizar dita definição na publicação devido à abundante evidência sobre a enorme diferença prognóstica entre um infarto periprocedimento e um espontâneo. Eis aí a enorme importância da letra miúda nas definições. 

ischemia-full

Título original: Initial invasive or conservative strategy for stable coronary disease.

Referência: Maron DJ et al. N Engl J Med. 2020 y presentado en forma virtual en el ACC 2020.


Subscreva-se a nossa newsletter semanal

Receba resumos com os últimos artigos científicos

Sua opinião nos interessa. Pode deixar abaixo seu comentário, reflexão, pergunta ou o que desejar. Será mais que bem-vindo.

Mais artigos deste autor

AHA 2025 | TUXEDO-2: manejo antiagregante pós-PCI em pacientes diabéticos multivaso — ticagrelor ou prasugrel?

A escolha do inibidor P2Y12 ótimo em pacientes diabéticos com doença multivaso submetidos a intervenção coronariana percutânea (PCI) se impõe como um desafio clínico...

AHA 2025 | DECAF: consumo de café vs. abstinência em pacientes com FA — recorrência ou mito?

A relação entre o consumo de café e as arritmias tem sido objeto de recomendações contraditórias. Existe uma crença estendida de que a cafeína...

AHA 2025 | Estudo OCEAN: anticoagulação vs. antiagregação após ablação bem-sucedida de fibrilação atrial

Após uma ablação bem-sucedida de fibrilação atrial (FA), a necessidade de manter a anticoagulação (ACO) a longo prazo continua sendo incerta, especialmente considerando que...

AHA 2025 | VESALIUS-CV: evolocumabe em pacientes de alto risco cardiovascular sem antecedentes de IAM nem de AVC

O colesterol LDL é um fator bem estabelecido na gênese da doença cardiovascular. A terapia com inibidores de PCSK9, incluindo entre estes o evolocumabe,...

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Artigos Relacionados

Congressos SOLACIspot_img

Artigos Recentes

Fibrilação atrial após oclusão percutânea do forame oval patente: estudo de coorte com monitoramento cardíaco implantável contínuo

A fibrilação atrial (FA) é uma complicação bem conhecida após a oclusão do forame oval patente (FOP), com incidência relatada de até 30% durante...

Webinar SOLACI – SELUTION: Balão eluente de sirolimus para lesões coronárias de novo – Novas evidências e perspectivas clínicas

A Sociedade Latino-Americana de Cardiologia Intervencionista convida você a participar de um novo evento científico virtual, dedicado às mais recentes evidências e perspectivas clínicas...

Impacto da Pressão Arterial Sistólica Basal nas Alterações Pressóricas após a Denervação Renal

A denervação renal (RDN) é uma terapia recomendada pelas diretrizes para reduzir a pressão arterial em pacientes com hipertensão não controlada, embora ainda existam...